Crônica

Pomares da infância

Ao observar a frieza cortante que brota dos ambientes higienizados e inférteis de um apartamento, reconstruo – como o brilho súbito de um diamante nunca encontrado – a imagem dos casarões da infância.

Ainda sinto o pulsar daquelas edificações enormes e sem qualquer luxo, porém aconchegantes, o cheiro e o ranger da madeira que formava o piso e vejo as portas permanentemente abertas, o que fornecia secretamente guarida ao vento matinal depois de uma noite cansativa de trabalho.

Os cômodos grandes, ajudados pelas janelas de madeira de duas abas, deixavam entrar uma claridade amarelada que se adiantava ao preparo do pão de casa com torresmo e anunciava a permanência de um novembro eterno.

Por qualquer uma das grandes fendas, se avistava o pomar lá fora. Ah, o pomar: etapa mais bem acabada de um terreiro. Quem viveu há de se lembrar da importância que um pomar tem na vida social interiorana. Zelo, delícias e todas as tardes do mundo cabiam ali.

No pouco tempo em que era de domínio dos adultos, negócios eram fechados sobre troncos de árvores que serviam como bancos e senhoras enchiam as sacolas com frutas de época.

No mais, o pomar era palco do confronto entre o pelotão das laranjas e a infantaria dos limões-rosa, menores, mas ainda sim capazes de derrubar o oponente. Ou então – quando os senhores feudais fraquejavam na vigilância quase eterna sobre suas princesas – arena de primeiros beijos e juras de amor eterno que não durariam até a chegada da próxima estação.

No entanto, não há pomar nesse cômodo branco e estéril. Não há sequer um terreirão, por mais vagabundo que seja. Só concreto e ferro, ambos mancomunados para tomar de assalto meu coração.

E um caipira sem pomar é um caso a se pensar, caro leitor.

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