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Avaré e os aspectos da sua evolução urbana

Um panorama das transformações físicas pelas quais a cidade passou desde sua fundação em exposição feita a estudantes de arquitetura e urbanismo da Faculdade Eduvale

* Gesiel Júnior

“Como arquiteto, se desenha para o presente, com certo conhecimento do passado, para um futuro que é essencialmente desconhecido”.

(Norman Foster)

A cidade de Avaré – importante observar – nunca foi planejada. O seu surgimento se deu, em meados do século 19, em meio ao processo de povoamento do interior paulista, na entrada para o Oeste.

No inóspito Sertão do Rio Novo habitavam originalmente as tribos Caiuás. Mas os nativos, para nossa infelicidade cultural, foram impiedosamente dizimados e quase nada resta de seus saberes étnicos. (1)

Nesta região, entre tantas áreas agricultáveis e abundantes recursos hídricos, tropeiros vindos da Serra da Mantiqueira e do Sul de Minas Gerais, interromperam a rota para o Mato Grosso, mataram e aprisionaram indígenas e decidiram se afazendar em glebas apossadas, segundo os ditames da Lei de Terras, promulgada em 1850.

“Foi teu marco uma humilde capela”, descreveu o poeta Djalma Noronha no Hino Municipal. Este pode ser considerado o primeiro registro arquitetônico na Avaré primitiva, pois em versos desponta o sinal do lugar em que a cidade brotou: uma pequena igreja.

Com o café, o transporte em lombo de burro e o início da ferrovia apareceram então os primeiros conjuntos urbanos no centro-sul paulista. A localidade mais antiga na região é Botucatu, fundada na serra do mesmo nome.

Adiante, numa planície do Vale do Paranapanema ergueu-se a Capela do Major, um pequeno templo votivo. No entorno dessa ermida o arraial nasceu com a ereção de algumas moradas de famílias pioneiras e a abertura de vias compondo o pitoresco traçado do patrimônio de Nossa Senhora das Dores, incluindo o Bairro Alto, o primeiro da “urbe tão bela” (2).

Nos hectares doados por devoção, conforme o costume no regime do padroado – espécie de aliança política da monarquia com o catolicismo – o distrito se fez freguesia e logo o lugar ganhou foros de vila, em 1875, sendo reconhecido legalmente pelos mandatários da Província de São Paulo. (3)

No princípio da República, durante o processo imigratório, Avaré foi declarada cidade. (4) Suas feições urbanas exprimiam as influências culturais da forte mão de obra de portugueses, italianos e espanhóis, sobretudo em típicas construções levantadas nas imediações dos cafezais.

Os primeiros edifícios definiam o que predominava no panorama imobiliário na entrada do século 20: igreja matriz, intendência, grupo escolar, mercado municipal, estação ferroviária e fórum e cadeia. Destes, apenas os dois últimos tiveram um projetista de renome: o francês Victor Dubugras (1868-1933), tido como um dos precursores da arquitetura moderna na América Latina.

Nos anos seguintes Avaré se desenvolveu sintonizada com as mudanças socioeconômicas causadas pelo Ciclo do Algodão, nos anos 1930. (5) Desse período promissor da cotonicultura extraímos esta descrição otimista feita numa publicação governamental:

“A cidade é plana, com 25 ruas, bem alinhadas e largas, formando quarteirões esquadrejados. Possui um magnífico jardim na Praça S. João e um outro na Praça da Matriz, contornando a Igreja. As ruas têm os nomes dos Estados do Brasil e dos fundadores da cidade. É iluminada a luz elétrica, e em parte calçada a paralelepípedos, bem como servida por uma rede de esgoto. É, em seu conjunto, uma cidade alegre, de aspecto elegante, possuindo dezenas de bangalôs e prédios vistosos e modernos”. (6)

Nas décadas seguintes Avaré teve o seu perfil citadino pouco alterado, enquanto na zona campestre a agropecuária se mesclava entre a produção de grãos e a criação de plantéis bovinos e equinos, suas bases econômicas. Entretanto, no início da década de 1960 a formação do lago de Jurumirim paulatinamente expandiu os negócios imobiliários às margens do novo reservatório, cujo cenário despertou o potencial turístico regional, a partir da inauguração do camping.

Nos anos 1970/80, por conta da carência de habitações, iniciativas de grupos empresariais descortinaram bairros amplos na Zona Norte, como o Jardim Europa e seus lotes projetados na modernidade para acomodar mansões e residências futuristas. Por sua vez, na Zona Sul, o Banco Nacional da Habitação (BNH) financiou a construção de moradias populares e para muitos concretizou o sonho da casa própria.

Por fim, no alvorecer dos anos 1990, dentro da nova ordem constitucional Avaré se viu convocada ao planejamento urbano. O seu primeiro plano diretor de desenvolvimento foi então esboçado e, em meio aos avanços e retrocessos da nossa frágil democracia, o mesmo continua sendo alvo de debates regulares e intervenções contínuas.

A cidade evoluiu? Tal indagação sugere diferentes respostas dependendo do prisma em que se observa a Avaré do século 21, oficializada estância turística (7), muito embora desde 2002 essa condição tenha sido pouco assimilada pelos próprios avareenses que, afinal, ainda hesitam para responder qual é, de fato, a sua vocação urbana.

* Cronista e pesquisador, é autor de 35 livros sobre a história de Avaré.

(1) Silva Júnior, Gesiel Theodoro. ‘A saga dos caiuás’ in ‘Avaré em memória viva’, vol. 1, Editora Gril, 2010.

(2) Expressão do Hino de Avaré, 1961, de autoria de Djalma Noronha.

(3) Lei Provincial nº 15, de 7 de julho de 1875.

(4) Decreto nº 179, de 29 de maio de 1891.

(5) Silva Júnior, Gesiel Theodoro. ‘Aspectos do Ciclo do Algodão’ in ‘Avaré em memória viva’, vol. 4, Editora Gril, 2013.

(6) Avaré, História e Geografia, Tipografia Central, Avaré, 1939.

(7) Lei estadual nº 11.162, de 21 de junho de 2002.

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