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Artigo: Arte é coisa de vagabundo!

É muito fácil jogar com a desinformação no Brasil, país com sérias lacunas educacionais onde qualquer tese tem viabilidade para ganhar terreno

FLÁVIO MANTOVANI

Não é de admirar que o dito cidadão de bem odeie arte. Ela pressupõe liberdade, a possibilidade de construir outras realidades, ir além do viés utilitário que encarcera a sociedade (a ideia de que algo material vale mais que um poema, por exemplo).

Imagine, portanto, o quanto isso é danoso aos que interiorizaram a ideia de que o único objetivo da vida é trabalhar e pagar contas. E como se dissessem: como é que você, cuja única distração é a novela das oito, ousa ir além desse simulacro criado especialmente para você? O trabalho danifica, digo, dignifica o homem!

E o mais curioso: não são os donos do poder que repreendem o sujeito que busca sublimação pela arte. Os patrões estão no Louvre, apreciando as maravilhas humanas. Quem o repreende, muitas vezes, é aquele que está no mesmo patamar: o trabalhador, o dito cidadão de bem. Já notou quantos trabalhadores defendem uma reforma da Previdência que será danosa pra eles próprios? E quando uma categoria defende ideais desfavoráveis a ela mesma, é sinal de que a estratégia deu certo.

A verdadeira obra causa um efeito diferente em cada espectador. Nós só choramos ou torcemos juntos quando se trata de Indústria Cultural (a cena em que a mãe do Bambi morre ou quando o mocinho vira o jogo no final do filme, por exemplo).

Mas é diferente no caso da arte. Seu papel é subverter. Se a obra lhe causou reação negativa, ela já cumpriu seu papel. Mas há um abismo entre não gostar e defender a censura.

Pior ainda: há um abismo entre não ter visto e não ter gostado, caso da esmagadora maioria dos cidadãos de bem que estão vociferando na internet por influência de grupos que aspiram ao autoritarismo. Não se trata apenas de desinformação: é um projeto político obscurantista articulado por uma minoria, mas colocado em prática pela maioria desatenta. 

Lembram da fissura pelo peladão do Museu de Arte Moderna? Será que os machões que gritaram não conseguem – pelo menos uma vez na vida – ver um corpo masculino sem erotizá-lo? Freud explica.

É muito fácil jogar com a desinformação no Brasil, país com sérias lacunas educacionais onde qualquer tese tem viabilidade para ganhar terreno. É justamente por isso que precisamos cada vez mais de arte: para que as pessoas possam ir além do sofá da sala.  

Por isso a atual tentação pelo autoritarismo: é uma forma de conter a liberdade. Ela assusta o lobo. Afinal de contas, o cordeirinho pode exigir para si outro papel.

One thought on “Artigo: Arte é coisa de vagabundo!

  • Maurício

    A Arte é libertária e assim deve continuar a ser. A interpretação é subjetiva, ninguém fica alheio a um sentimento depois de ver, ouvir ou sentir uma obra que seja que gostar ou não fica só como um reles detalhe. Se ela vira alvo de grupelhos extremistas que espalham desinformação no ambiente mais suscetível a mentiras que são as redes sociais e são replicados por muita gente dita “de bem”, algo está errado. Basta perder um tempinho e ver apenas alguns comentários de posts dessas páginas, quais bloqueio, que elegem a cada quinzena o inimigo da vez da humanidade e o salvador da pátria do mês, que, sem ser psicólogo, pode-se detectar algum disturbo. Ainda bem que alguns começam a cair na real, sem trocadilhos, das armadilhas desse mundo virtual.

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