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Djanira e a arte do amor divino

Primeira artista latino-americana a ter uma peça a integrar o acervo do Museu de Arte Moderna do Vaticano, pintora avareense é referência na arte sacra do Brasil

GESIEL JÚNIOR

Ela também pode ser considerada uma exímia artista sacra. Com telas de clara inspiração religiosa, a pintora Djanira mostra outra vertente do seu estilo popular. Sua arte, marcada por temas brasileiros, revela ainda os traços e as cores da sua fé.

Iniciada nos anos 1940, a carreira da grande artista avareense teve por meta fazer uma pintura geral do Brasil. No entanto, por ser uma pessoa intuitiva e de inclinação mística, ela apreciava pintar figuras da iconografia católica em seus quadros.

“Sempre gostei de pintar anjos, santos e profetas”, revelou. Era a sua maneira de expressar a influência do divino na sua obra genuína.

Primeira artista latino-americana a ter uma peça a integrar o acervo do Museu de Arte Moderna do Vaticano (a tela “Sant’Ana de Pé”), Djanira a pintou, por incrível que pareça, usando apenas a mão esquerda (havia fraturado a clavícula).

Força interior

Mulher tecida na dor sublimada à luz de intensa devoção, na juventude ela contraiu tuberculose pulmonar e, à beira da morte, passou meses internada num sanatório.

Para distrair-se do sofrimento e afastar a tristeza, Djanira começou a desenhar. Reproduziu o Cristo no calvário fixado na parede do corredor do hospital. Era o princípio da sua cura e a revelação do seu talento.

À medida que cresciam as dificuldades de ordem material: pobreza, doença e viuvez, a futura artista resistia ao desânimo graças à sua imensa força interior.

Pincelando o mundo à sua volta e cenas do cotidiano, ela fazia surgir seres angélicos do imaginário, em meio às provações da vivência artística. “Sou assim. Porque ninguém pode ser inteiramente feliz nem inteiramente infeliz”, ensinou.

Monja

Em 1972, já madura e consagrada, após grave cirurgia cardíaca, Djanira resolveu vestir, para espanto de colegas pintores, o hábito de leiga da Ordem Terceira Carmelita.

Numa cerimônia singela em casa, junto de amigos mais chegados, adotou o nome religioso de Irmã Teresa do Amor Divino. Fez essa escolha para louvar Santa Teresa d’Ávila, mulher extraordinária de ação e de pensamento que, como ela, era doente. E do Amor Divino, inspirada em Frei Caneca, rebelde que morreu fuzilado.

“Nunca escondi a minha religiosidade”, destacou. Depois de viajar muito pelo país, a pintora viveu na simplicidade, recolhida em seu ateliê, produzindo desenhos a nanquim e a grafite, gravuras em metal e xilogravuras, óleo e serigrafias.

“Comecei com muita pintura sacra, muita imagem, muita criança. Tudo o que fiz foi em lenta preparação. Graças a Deus não sou habilidosa”, declarava com natural modéstia.

Por toda a vida, apesar das profundas cicatrizes no corpo e na alma, a artista deixava transparecer, pessoalmente, alegria de viver e dinamismo.

Na fase final, entretanto, suas mãos tremiam. Mas ficavam firmes, fortes, impassíveis, assim que ela retomava o lápis ou o pincel.

Perto de completar 65 anos, Djanira faleceu no Rio de Janeiro, em 31 de maio de 1979. Legou-nos uma obra presente em acervos públicos e privados no mundo todo – inclusive em Avaré, sua terra natal. Calcados na fé, seus trabalhos permanecem como marcas vivas do seu amor a Deus, ao próximo e à arte.

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