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Flora Bocci: 80 anos de boas memórias

Educadora se fez memorialista para concretizar o sonho do marido de publicar a história avareense

*GESIEL JÚNIOR

ESPECIAL PARA O FORA DE PAUTA

Ela nasceu no começo do Estado Novo (nome oficial da ditadura Vargas), quando a Avaré, o seu amor maior, era então a capital do Ouro Branco e assim prosperava em meio aos sacos de algodão que seu pai, humilde ferroviário, ajudava a embarcar nos trens da operosa Sorocabana. Testemunhou, pequenina, tantos fatos sem nada supor do seu futuro papel como coletora de episódios que recompuseram a história do seu povo.

Deferência aqui se faz à querida educadora avareense Flora Martins Barbosa Bocci. Neste preclaro 16 de janeiro ela celebra felizmente o seu 80º aniversário natalício. Dama merecedora de louvores, esta educadora se entregou ao trabalho de resgate da memória da Cidade Jardim, para a qual publicou três volumes cheios de registros jornalísticos do arquivo retido na Capital do Estado por seu inolvidável marido, aficionado estudioso da história municipal.

Dona de trajetória ardorosa, à Flora os avareenses devem muito, uma vez que ela, com absoluta generosidade, abraçou a causa de preservar suas raízes e prestou “um serviço ao povo de Avaré”, segundo relato do deputado Antônio Salim Curiati, feito em 1982, quando era prefeito de São Paulo:

“Professora, mãe de família, companheira do saudoso advogado Paschoal Bocci, Flora testemunhou toda a vida a preocupação do marido em coletar dados sobre a história de Avaré. Ajudou-o a guardar, recortar e arquivar jornais e revistas, testemunhos orais, ilustrações e fotografias que dissessem respeito a Avaré. E, quando o marido falta, sem poder cumprir a missão de sua vida, ela assume o facho e se lança a completar o trabalho, suprindo sua inexperiência no assunto com a força de sua dedicação e o talento que até então estava dirigido somente para o lar. Passou a ler outras histórias, a cotejar estilos, sondar formas de fazer, antes de decidir-se, finalmente, por um encadeamento do livro que faz honra à sua modéstia e que lhe permite atingir totalmente o objetivo que o marido e ela própria se propuseram”.

Obra histórica, fruto de amor esponsal

Filha do casal de ferroviários Desidério Dias Barbosa e Guaraciaba Martins Barbosa, Flora nasceu no dia 16 de janeiro de 1938. Fez seus estudos nas escolas Maneco Dionísio e Cel. João Cruz. Mudou-se para São Paulo em 1960, onde conheceu o advogado Paschoal Bocci (1912-1977), com quem se casou em 1962 e teve os filhos Amaury, Celso, Denise e Cláudia, os quais lhe deram os netos Felipe, Júlia, Victhor e Natália.

Lecionou na Fepasa durante 20 anos até ser convidada, em 1982, a atuar na assessoria técnica do gabinete do prefeito de São Paulo, tendo sucessivamente assessorado as gestões do próprio Curiati, bem como de Mário Covas, Jânio Quadros e Marta Suplicy.

Em 1983, publicou “História de Avaré”, o seu primeiro livro. Paschoal e Flora, atestou o acadêmico Israel Dias Novaes, “devolveram, na sua inteireza, infinitos personagens do desfilar de gerações que fazem a história”.

Tempos depois a corajosa viúva cooperou na fundação, em 1991, da “Associação dos Amigos de Avaré Paschoal Bocci”, por ela presidida e que teve sede em sua residência, no bairro Sumarezinho, em São Paulo, da qual participavam dezenas de avareenses residentes na capital paulista.

Em 2001, a memorialista lançou o segundo volume de “História de Avaré”, tendo dedicado a obra à memória do esposo, a quem qualifica como “ser elevado, que sempre esteve voltado para as coisas do espírito”. E a ele fez a seguinte declaração amorosa: “– Paschoal, hoje com a graça de Deus, cumpro com orgulho seu desejo, porque grato é ao meu coração falar de Avaré, chão de nossos passos”.

Por justiça e mérito indiscutíveis, em 2003, a Câmara de Vereadores outorgou à pesquisadora o título de “Cidadã Benemérita”, homenagem que lhe foi conferida em sessão solene, por iniciativa do então vereador Rogélio Barcheti.

Completando a sua tríade, em 2008 Flora Bocci preparou o livro “Uma Divertida Máquina do Tempo em Avaré”, em cujas páginas reproduziu uma série de curiosas notícias veiculadas em periódicos antigos por ela conservados em sua casa por mais de três décadas, mas entregues no ano seguinte ao acervo histórico municipal. No prefácio, o advogado avareense Coaracy Nogueira do Vale apontou que nessa obra a autora “se doa novamente, característica das mais fortes de sua personalidade, ao lado da inteligência, vibração, inquietude mesmo, liderança”.

Colhemos, por fim, a perfeita descrição da nova octogenária, feita pelo mesmo Coaracy, com a qual bendizemos a vida da alegre aniversariante, pois ela permanece a costurar a nossa história:

“Flora é um exemplo e uma inspiração a todos nós, como pessoa, como mãe e avó, como líder e como amiga. Desempenha, com responsabilidade e senso de fidelidade, a tarefa de não deixar cair por terra o legado de seu marido, o ilustre avareense Paschoal Bocci. Ele, em toda a sua vida, entesourou o acervo que Flora transforma em livros, dando continuidade à sua obra. Nós, seus amigos, liderados e leitores, temos com Flora uma dívida eterna”. 

*Gesiel Júnior, 54, cronista e pesquisador, é autor de 32 livros sobre a história regional.

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