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Nos passos do jovem padre que foi prefeito de Avaré

Figura polêmica, José Messias de Aquino governou a cidade por alguns meses em 1913; desobediente, bispo o suspendeu e seu fim foi trágico

 Gesiel Júnior*

Especial para o Fora de Pauta

Muito embora o nome dele nem conste ainda dos registros historiográficos de Avaré, a verdade é que o padre José Messias de Aquino (1884–1956), conforme apontam raros documentos centenários, respondeu interinamente pela Prefeitura em 1913, quando era vereador ainda na chamada Primeira República.

A biografia desse sacerdote originário de Diamantina (MG), em fase de resgate, é cheia de vicissitudes humanas. Além de temperada pelo ardor da política, traz no seu enredo suposta luxúria, grave desobediência, discreta reaparição e epílogo fatídico.

Convidado, Aquino acompanhou dom Lúcio Antunes de Souza, o primeiro bispo de Botucatu, seu conterrâneo mineiro, na instalação da diocese em 1909. A princípio, inexperiente, o jovem padre paroquiou em Bauru, onde o anticlericalismo predominava e lá um rapaz o acusou de assédio sexual, embora a prática de pedofilia jamais tenha sido comprovada.

Transferido para Avaré em 1910, veio guiar a Paróquia de Nossa Senhora das Dores, então uma das principais freguesias do extenso bispado. A função lhe conferiu influência no auge do coronelismo, quando comandava a cidade o dinâmico cafeicultor Edmundo Trench, que desapareceria misteriosamente no ano seguinte.

O posto de Trench, aliás, foi logo ocupado por outro fazendeiro empreendedor, o coronel João Baptista da Cruz. Este, para recompor o diretório do Partido Republicano Municipal e preencher vaga aberta por renúncia na Câmara, apresentou o nome do padre Messias como concorrente à vereança em junho de 1912.

Em meio a ferrenhas críticas de seus oponentes na imprensa local, o pároco se elegeu vereador e, à sua maneira, cumpria os ofícios pastorais enquanto paralelamente propunha aos seus pares, por exemplo, empenho para construir a nova ponte sobre o Rio Paranapanema.

Em fevereiro de 1913, atencioso, acolheu na estação da Estrada de Ferro Sorocabana uma freira ainda desconhecida, mas que 90 anos depois tornar-se-ia a primeira santa do Brasil. Coube-lhe encaminhar a madre Paulina do Coração Agonizante de Jesus e um grupo de irmãs de caridade ao Hospital São Vicente de Paulo, a fim de prestar serviços de enfermagem para desvalidos.

Nos meses seguintes, entre abril e junho, aos 29 anos de idade, indicado por sua bancada, o padre Messias administrou o município de acordo com o mesclado sistema político vigente. Na cadeira do Executivo nenhuma medida relevante foi por ele adotada. Tanto que seu nome como prefeito sequer é mencionado nos incompletos anais da história avareense.

A breve experiência partidária do religioso, aliás, sofreu interrupção em dezembro, quando o bispo decidiu transferi-lo para a paróquia de Porto Feliz, onde fundou um jornal e instalou confrarias.

De certo modo, entretanto, neste caso em que o padre se fez prefeito, a Igreja Católica, ainda que criticada, assinalou a sua presença simbólica no aparentemente laico poder republicano.

Suspensão

Quando ainda atuava em Porto Feliz, padre Messias recebeu do bispo o título de cônego honorário, conforme revelou o historiador Aluísio de Almeida. De lá saiu para atender a comunidade católica de Capão Bonito, tempo em que deu-se a criação do bispado de Sorocaba. Em seguida, entre os anos de 1927 e 1929, respondeu pela paróquia de Cesário Lange e também atendeu a de Pereiras, segundo apontamentos do pesquisador Oswaldo Evangelista Moreira.

Em 1930, o bispo de Sorocaba, dom José Carlos de Aguirre, nomeou o cônego Messias para ser o pároco de Boituva, mas este recusou o posto. Tal desobediência lhe custou caro, pois acabou suspenso de ordens, segundo relato do historiador Aldo Vannuchi.

Proibido de exercer o ministério sacerdotal, cessam as menções do problemático sacerdote e não se sabe com exatidão o que teria ocorrido a ele por longa data.

Reapareceu na Arquidiocese do Rio de Janeiro, nos anos 1940, e como membro do clero carioca tomava parte de retiros espirituais e auxiliava no atendimento de algumas comunidades, mas sem encargos.

Em 1951, o informativo da paróquia de Engenho de Dentro publicou a promessa do cônego Messias, que lá atuava como pregador, de doar o resultado da venda de um prédio de sua propriedade no antigo Distrito Federal. Parte do dinheiro encaminharia ao Seminário Diocesano de Diamantina, onde se formou, e parte destinaria às obras de construção da matriz da Imaculada Conceição e São José, num total estimado “em dez contos”. A oferta, contudo, não se consumou. 

Colhido por bonde”

Pelo que se deduz, durante mais de 20 anos o cônego trabalhou discretamente no Rio, onde merecera outra honraria: o título de monsenhor, prova de reconhecimento aos seus serviços.

Na edição de 8 de março de 1956 o “Jornal do Brasil” trouxe a triste notícia do acidente fatal que o atingiu, nestes termos: “Na Avenida Presidente Vargas com Praça da República foi colhido, ontem, por um bonde da linha 94, ‘Penha’, José Messias de Aquino, de 72 anos, residente na Rua Bueno de Paiva, 128. A vítima, que sofreu em consequência, fratura no crânio, recebeu socorros no Hospital Souza Aguiar”.

Naquela época o ex-prefeito interino de Avaré servia na capela de São Jorge, no bairro de Quintino. Devido à gravidade dos ferimentos, monsenhor Messias faleceu na mesma noite.

Velado na igreja em que era muito conhecido e estimado, assim concluiu a sua controvertida trajetória sócio-político-religiosa, agora revestida de um pouco mais de luz.

*Escritor, é autor de mais de 30 livros sobre a história de Avaré e região.

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