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A “Grande Semana” na tradição popular

Antigos ritos, procissões da Semana Santa e encenação da Paixão de Cristo marcaram a religiosidade dos avareenses no século vinte

Gesiel Júnior*

Especial para o Fora de Pauta

Entre as décadas de 1930 e 1960, as cerimônias da Semana Santa eram muito diferentes das celebradas na atualidade em Avaré. Essas solenes celebrações durante a chamada “Grande Semana” seguiam o calendário institucionalizado pela tradição católica.

Os rituais começavam no Domingo de Ramos, com a benção das palmas que precedia a procissão pelas ruas centrais até o Largo da Matriz, onde o pároco Celso Ferreira (1903-1998), figura de grande influência na época, oficiava a missa abrindo o solene ciclo litúrgico.

Com acompanhamento de numerosos fiéis, no Ofício das Trevas, celebrado na Segunda-Feira Santa, eram colocados, ao lado do altar, candelabros com velas acesas, as quais iam sendo apagadas no decorrer das orações.

Em 1943, o padre Celso se queixou da falta de clero para atender o grande número de fiéis nas várias cerimônias da Semana Santa. Na missa do Lava-pés, na Quinta-Feira Santa, ele relatou ter distribuído, sozinho, 1.200 comunhões.

O pároco, nessa mesma ocasião, inaugurou o belo púlpito de mármore da Matriz, comprado por 15 mil cruzeiros, em Campinas, da empresa O. Papais, peça demolida em 1970, sob protestos de muitos católicos.

Na Sexta-Feira Santa o luto era total. Os trens não apitavam e os poucos carros que existiam na cidade não buzinavam. Os sinos da Matriz ficavam mudos. Os senhores que usavam chapéu naquele dia deixavam-no de lado e saiam de casa com as cabeças descobertas, assim permanecendo o dia todo. Aliás, os homens nem se barbeavam naquele dia e as mulheres usavam saias e mantilhas negras, em sinal de tristeza pela morte de Cristo.

Na parte da tarde, às três horas, o púlpito da Matriz era ocupado por um orador sacro, convidado especialmente para pronunciar o “Sermão das Sete Palavras”, o qual era ouvido, com fervor e emoção, por enorme assistência que acompanhava a narrativa fundamentada nas últimas palavras ditas por Jesus na hora de sua crucificação no Calvário.

À noite, uma multidão seguia a “Procissão do Enterro” ou “do Senhor Morto”. Havia paradas em locais em que eram feitos pequenos altares, perto dos quais a Verônica – representada pela inesquecível Cecília Tortorelli – entoava com voz grave e triste o canto latino “O Vos Omnes” e desenrolava o pano com o rosto de Cristo.

“Essa procissões – atesta o memorialista Joaquim Negrão – eram organizadas com critério e ordem”. Ele diz que o padre Celso a tudo acompanhava com rigor, severidade e bom gosto. O povo, em fila, no máximo de duas pessoas, ia pelas calçadas, em ambos os lados. “Fechando o cortejo, a banda do maestro Amílcar Montebugnoli, ou às vezes, a do maestro Astrogildo Pontes. Todos cantavam os hinos sacros e poucos se atreviam a conversar. Se o fizessem e o pároco ouvisse, haveria pito na certa”, relembra.

Paixão encenada

Outro religioso marcante por sua atuação na Semana Santa foi o padre Paulo Goecke (1924-1992), pároco da igreja de São Benedito, criada paróquia em 1960. Ele organizava com capricho a “Procissão do Encontro”, que terminava no Largo São João, onde os andores do Senhor dos Passos e de Nossa Senhora das Dores eram carregados por fiéis para lembrar a cena da Via Sacra.

Na tarde da Sexta-Feira Santa, padre Paulo motivava atores amadores a encenar a Paixão de Cristo pelas ruas de sua paróquia. No antes chamado Sábado de Aleluia, pela manhã, acontecia a bênção do Fogo Novo e da pia batismal. Ao meio-dia, os sinos das igrejas bimbalhavam anunciando a ressurreição de Cristo.

Por fim, na madrugada do Domingo de Páscoa acontecia a “Procissão da Ressurreição”, aguardada ansiosamente por fiéis que, vindos da roça na sua maioria, passavam a noite e até dormiam nos bancos da praça para então participar com fé desse ato religioso.

*Cronista e pesquisador, é autor de 32 livros sobre a história de Avaré e região.

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