Especial

Fampop, que completa 40 anos em 2023, colocou Avaré no mapa cultural do país

Na primeira reportagem especial sobre as quatro décadas da feira, Fora de Pauta traz relatos de quem testemunhou a edição realizada em julho de 1983

Flávio Mantovani

Um certo desconforto pairava no ar naquela noite fria de 8 de julho de 1983. Estava tudo pronto para a primeira noite da 1ª Feira Avareense da Música Popular (Fampop), mas uma dúvida ainda gelava a espinha da Comissão Organizadora.

O renomado musicólogo Zuza Homem de Mello (1933-2020) comandaria o júri. Músicos de várias partes do país estavam prontos para subir ao palco daquela primeira edição. Embora tivesse assumido o cargo há menos de quatro meses, o prefeito Paulo Dias Novaes havia embarcado de cabeça na proposta daqueles jovens entusiastas, entre os quais estava seu filho, o cantor e compositor Juca Novaes.

Também não faltou divulgação. A 1ª Fampop foi fartamente alardeada na imprensa local. Além de notícias nas rádios Avaré e Panorama, Juca havia publicado um editorial no jornal O Avaré convocando a população para a feira.

Apesar de tudo amarradinho do ponto de vista da organização, uma pergunta persistia: será que o público avareense vai comparecer?

Por conta de restrições orçamentárias, a 1ª Fampop não contava com shows de estrelas da MPB. Além disso, Avaré estava há uma década sem um evento do gênero que pudesse servir como termômetro. A última edição do Festival Regional de Música Popular de Avaré (Frempa) fora realizada no longínquo ano de 1973.

Os organizadores só começaram a respirar aliviados quando as portas da antiga sede social do Centro Avareense, no Largo São João, foram finalmente abertas. Mais surpresa que alívio, na verdade. “Houve uma invasão”, conta ao Fora de Pauta o paulistano José Mário Nevado Guerra, um dos organizadores da 1ª Fampop.

A bacharel em Direito Laura Mendes Cardoso estava lá e participou da “invasão”. Ela destaca o clima de festa que dominava o público naquela noite. “Estávamos tão ansiosos que fizemos fila na porta”, conta a paulistana radicada em Avaré.

Outro que ficou impressionado com aquele bando de jovens ávidos por ouvir música foi o fotógrafo Edel Coradi, que registrou aquela edição histórica. “Eu nunca vi tanta gente enfiada naquele Centro Avareense”, relembra. “Não cabia um alfinete a mais”.

Respeitável público

O engajamento do público se repetiu durante os três dias de festival, o que pode ser constatado pelas fotografias. O vídeo em que o Genésio Sampaio interpreta a canção “Peleja”, vencedora do festival, também confirma os relatos. A plateia acompanha toda a apresentação com palmas, mãos pra lá e mãos pra cá.

As imagens do cantor e compositor que hoje atende pelo nome de Genésio Tocantins foram gravadas pela TV Cultura. A emissora paulistana exibiu as três canções vencedoras do festival.

A simbiose entre público e Fampop chegou a extrapolar os limites do Centro Avareense. Fazendo jus à ideia de feira, ou seja, um espaço para várias artes, a 1ª Fampop contou com apresentações musicais e números circenses no Largo São João.

“A ideia era não ficar restrito apenas ao festival”, conta o professor Fábio Corrêa Martins, que também fez parte da Comissão Organizadora. “A gente queria que a cidade participasse do evento, e foi criado um ambiente que permitiu esse encontro entre artistas e população jovem de Avaré”.

Era como se as palavras de Genésio Tocantins tivessem, de certa forma, se materializado naquela edição histórica. Antes de apresentar seu número na final, o compositor se dirigiu justamente a esse público. “Apesar dos momentos difíceis em que vivemos, eu ainda creio na juventude, que com as próprias mãos e suas cantigas, busca construir um mundo com mais amor, mais justiça, paz e liberdade”.

A juventude estava mesmo sedenta em 1983. O Brasil estava prestes a sair de uma ditadura militar, e o novo cenário que se anunciava parecia propício para novidades em todos os campos, da política à cultura.

“A carência do povo por um festival me marcou profundamente”, constata Juca Noves, presidente da Comissão Organizadora.

Legado

Foi nesse contexto que a Fampop encontrou guarida logo de cara. E não apenas em casa. A qualidade musical, a adesão de artistas, o empenho dos organizadores, a contribuição de apoiadores, a competência do júri e a receptividade do público naquela primeira edição colocaram Avaré na rota dos grandes festivais do Brasil, de onde a cidade nunca mais saiu.

“Todas as energias se conglomeraram para ajudar no sucesso da feira”, resume José Mário Nevado Guerra, responsável pela apresentação da 1ª Fampop ao lado de Lucila Pinto.

O resultado daquelas três noites históricas ecoa até hoje. Quarenta anos depois, a Fampop continua sendo um dos mais importantes festivais do país, apesar de momentos de maior ou menor expressão. Haja vista sua importância como plataforma para novos artistas e a longa lista de compositores renomados que pisaram em seu palco antes da fama.

Parafraseando Zuza Homem de Mello: quatro décadas depois, Avaré continua vendo e ouvindo primeiro. E contando.

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