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Avaré na epopeia paulista de 32

O papel de voluntários, mulheres e crianças avareenses no conflito contra Getúlio Vargas cuja bandeira era a promulgação de uma nova constituição

Gesiel Júnior*

O transcurso do feriado estadual de 9 de julho serve de elo para nos ligar aos eventos de 1932 e à Guerra Paulista, como é também chamada a mobilização cívico-militar daquele confuso ano político.

A propósito, Avaré dela tomou parte com dezenas de voluntários alistados entre os 200 mil combatentes pela volta do estado de Direito. Gente de brio, feita de fé e coragem. Em pouco tempo a cidade se viu ocupada, ora pelas tropas constitucionalistas, ora pelas tropas federais.

A articulação do movimento se deu nos meios políticos. Descontentes com as arbitrariedades do caudilho gaúcho Getúlio Vargas, as lideranças da capital e do interior começaram a reagir.

Empresários, intelectuais, jornalistas, estudantes e militares ergueram juntos a mesma bandeira constitucionalista e pressionavam para derrubar o governo provisório e convocar uma assembleia nacional constituinte.

A causa ensanguentou-se no dia 23 de maio, data em que num conflito de rua quatro estudantes morreram metralhados em São Paulo. Eram eles Euclides Miragaia, Antônio de Camargo Andrade, Mário Martins de Almeida e Dráusio Marcondes de Souza, cujos nomes inspiraram a sigla MMDC.

A partir daí, comovidos, milhares se simpatizaram e se juntaram às tropas paulistas. A mobilização cresceu e se popularizou sem temor do inevitável confronto bélico.

Voluntariado

A partir de julho milhares de voluntários civis faziam fila nos postos de alistamento, recebiam uma semana de treinamento e partiam para a frente de batalha.

As mulheres ocuparam o lugar dos adultos no comércio e na indústria, trabalhavam como costureiras fazendo uniformes ou alistavam-se como enfermeiras.

Na cidade, o amplo auditório da antiga e já demolida sede da Sociedade Beneficente Portuguesa, na Rua Goiás, transformou-se na Casa do Soldado.

Ali, homens, mulheres e até crianças se uniram para apoiar os combatentes, os quais recebiam treinamento militar no campo da Associação Athlética Avareense e usavam como quartel o 1º Grupo Escolar, a atual Escola Matilde Vieira.

Nascido em Avaré, o armeiro Norberto Cardoso, empregado da Cia. Ferroviária São Paulo-Paraná, se descobriu inventor durante o conflito. Criativo, ele projetou e fabricou canhões para as forças paulistas, tendo se profissionalizado mais tarde.

Na mesma ocasião, quatro jovens avareenses vestiram a farda cáqui em diferentes trincheiras. Em comum os inesquecíveis Paschoal Bocci, Paulo Bastos Cruz, Paulo Gomes de Oliveira e Antonio Ferreira Inocêncio (que se feriu em combate) tinham a mesma procedência: as Arcadas.

Finda a revolução, eles graduaram-se em Direito pela Faculdade do Largo de São Francisco e vieram a se destacar como respeitáveis homens públicos. 

Entre manifestos e passeatas

No começo da noite de 15 de julho, no Largo do Mercado, “uma grande reunião patriótica” atraiu milhares de pessoas. Chamada de “Passeata Monstro” pelos organizadores, o objetivo era atrair a todos.

“Que ninguém falte: os chefes de famílias, as queridas mães, as moças de Avaré. É indispensável o concurso do elemento feminino”, frisava o folheto com a menção dos oradores: padre José Fernandes Tavares, capitão Alcides do Vale e Silva, tenente Luiz De Cicco e os advogados Cory Gomes de Amorim, Urbano Junqueira e Adelmar Ferreira.

No dia seguinte o jornal “O Commercio” registrou em tom entusiástico. “Avaré está de braços dados, na intimidade de irmãos, com todo São Paulo, para o mesmo ideal, o mesmo sonho. A passeata cívica bem o diz: os avareenses se compenetram de que a hora é decisiva, não admite hesitações, requer todos os sacrifícios”.

Embora estivesse próxima do principal teatro de operações das tropas getulistas, Avaré não experimentou o conflito armado. Os soldados treinados na cidade combateram nos meses de agosto e setembro em Itararé, dentre eles o tenente Romeu Bretas, cirurgião-dentista e futuro prefeito.

Nenhum avareense morreu em combate. Mas muita gente acompanhou com tristeza o sepultamento, no Cemitério Municipal, do sargento santista Alfredo Shammas, morto aos 25 anos na Frente Sul, em Itararé, atingido por uma bala no ventre no dia 23 de agosto.

O fim do movimento constitucionalista, no começo de outubro, marcou a abertura do processo de democratização, uma vez que a derrota militar foi encarada depois como vitória política, pois houve a convocação de eleições em 1933 e 1934.

Nesses anos seguintes, os paulistas de Avaré comemoraram o 9 de Julho em praça pública, festa interrompida em 1938 com a instauração da ditadura do Estado Novo.

*Gesiel Júnior, 54, cronista e pesquisador, é autor de 32 livros sobre a história de Avaré e região.

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