Prefácio em livro de ministro amenizou punição a avareense enquadrado pelo AI-5
Israel Dias Novaes havia feito texto de apresentação em obra de Jarbas Passarinho, um dos ministros signatários do ato que marcou a guinada autoritária da ditadura militar
Flávio Mantovani
O deputado avareense Israel Dias Novaes nada tinha de comunista. Ao contrário: era da Aliança Renovadora Nacional (Arena), partido da ditadura militar.
Mesmo assim, ele teve o mandato cassado após a edição do Ato Institucional nº 5 (AI-5) em 13 de dezembro de 1968, há exatos 50 anos. O dispositivo promulgado pelo general Costa e Silva formalizou a guinada autoritária do regime, fechando o Congresso Nacional, extinguindo o habeas corpus e o direito ao voto, entre outras garantias constitucionais.
O avareense havia votado contra o pedido do Executivo para processar o deputado oposicionista Márcio Moreira Alves (MDB), que criticara a ditadura em um discurso na Câmara Federal em setembro daquele ano.
Embora cassado, Israel Dias Novaes teve os direitos políticos mantidos, ao contrário de muitos colegas do Legislativo que acabaram expulsos do país. (Outros tiveram menos sorte: cassado ainda em 64, o deputado Rubens Paiva seria morto pelo regime em 1971).
O motivo: Dias havia prefaciado Terra Encharcada, livro de Jarbas Passarinho, um dos ministros signatários do AI-5. Jornalista, o avareense era apreciador de obras literárias e amigo de figuras notórias do meio intelectual, entre elas Sérgio Buarque de Holanda.
Assim que viu o nome de Novaes na lista que seria apreciada na reunião do Conselho de Segurança Nacional (CSN) em janeiro de 1969, Passarinho fez uma careta. Cochichou com um dos colegas. Logo depois, se dirigiu a outro. O titular do Trabalho então teria sugerido que o deputado fosse preservado da punição mais dura, o que provavelmente resultaria em exílio.
O relato a seguir consta de uma ata do CSN publicada pelo jornal O Globo.
“Há uma particularidade em relação a mim, que vai possivelmente ser o começo da minha ficha. Israel é o prefaciador do meu livro. Se ele for cassado, isso pode ser o começo da minha ficha”, diz o ministro a Costa e Silva.
“Vai ser editado? Sobre o que versa?”, pergunta o general.
“É um romance”, responde Passarinho. Diante da exposição, Costa e Silva decide apenas cassar o mandato do avareense.
Marcas
A punição mais amena, contudo, também deixou marcas. “De qualquer maneira, como todos os demais cassados, Israel virou uma espécie de pária durante anos, como se colocado à margem da sociedade”, lembrou o sobrinho Juca Novaes em um texto na rede social.
O atenuante, todavia, permitiu que o avareense se elegesse deputado federal já em 1974 pelo MDB, oposição ao regime, onde passou a militar contra a censura e em favor da democracia.
Para as demais lideranças banidas do país, a possibilidade de voltar à política só apareceria em 1979, ano em que a anistia foi promulgada.
Em tempos sombrios, uns tiveram mais sorte pelos contatos (apenas cuidadosamente asas podadas), outros não. Danton Jobim, avareense de nascimento, presidente da ABI nesse período, precisou de muito jogo de cintura para defender jornalistas e estudantes nesse período.