Reportagens

Lavoura em terreno público vira terapia para morador de Avaré

Desempregado, eletricista de 61 anos dedicou tempo livre para transformar matagal em horta comunitária  

FLÁVIO MANTOVANI

Uma lavoura cultivada informalmente em um terreno que pertence à Prefeitura chama a atenção de quem passa pelo Bairro Santa Mônica, em Avaré.

O responsável pelo espaço, que tem aproximadamente 25 metros de largura e outros 100 de comprimento, é o eletricista Celso Bento da Silva, 61 anos. A decisão de lavrar a terra surgiu em função de uma necessidade terapêutica. Sem emprego fixo e vivendo apenas de “bicos”, Silva decidiu dedicar o tempo livre ao terreno, um largo canteiro central na Avenida Domingos Leon Cruz que serve de passagem para torres de transmissão de energia elétrica.

“Se a gente ficar enfiado dentro de casa, só deitado, começa a ficar desanimado. O negócio é caçar o que fazer”, justificou o avareense em entrevista à Comarca, enquanto acompanhava a reportagem em uma visita pelo local.

Em janeiro de 2016, o morador deu início à capinação do lote e recolheu todo o entulho abandonado ali. Mandioca foi a primeira cultura plantada no terreno. Depois vieram milho, pepino, abóbora, quiabo, couve, feijão e batata-doce, além de flores ornamentais que rodeiam o espaço.

Ele próprio arcou com custos de adubo e sementes. Quando a reportagem perguntou como era feita a irrigação, Celso não titubeou. “A água vem lá de cima”, disse, apontando para o céu.

Algumas espécies ainda não produziram, mas a lavoura já se destaca em meio ao matagal que domina os arredores. “Gosto da natureza e me sinto feliz. Meu orgulho é ver a planta crescer”, afirma Silva, com o brilho no olhar de quem encontrou ali novo sentido para a existência.

Zelo

 O capricho do eletricista é visível em todo o lote metodicamente demarcado, mas que não tem cercas ou qualquer barreira que impeça a entrada de pessoas.

Além de retirar o mato que havia avançado sobre a calçada e de fazer a manutenção para evitar a proliferação de pragas e ervas daninhas, Celso fez caminhos nas margens do terreno para facilitar o acesso de pedestres de um lado a outro do bairro.

A iniciativa ganhou a simpatia dos moradores do Santa Mônica. Fora dos domínios do eletricista, o terreno segue como matagal e ponto de descarte de entulho e materiais inservíveis, além da finalidade original que é acomodar as grandes torres de transmissão que transitam entre a zona rural e a cidade.

Comunitária

O morador nega interesse comercial na lavoura. Além de levar à mesa de casa os alimentos ali produzidos, o eletricista afirma que doa verduras e legumes aos vizinhos que demonstram interesse.

Recentemente, Silva distribuiu ainda parte da safra de brócolis aos moradores de rua que frequentam a região do Santuário Nossa Senhora das Dores, no centro de Avaré. (A reportagem, aliás, foi presenteada com uma generosa porção de feijão após a conversa. “Faço questão”, insistiu o entrevistado).

Caráter precário

Celso diz ainda ter noção do caráter precário do seu empreendimento e afirma que não tem intenção de tomar posse do lote que pertence à administração municipal. “Sei que não é meu. Se amanhã eu for proibido de continuar plantando, já estou satisfeito. Arrumo outra coisa para fazer. De qualquer forma, acho que já contribuí para tornar o bairro melhor”, avalia.

Cidadania

 Sem falsa modéstia, o morador do Santa Mônica encara o empreendimento informal como missão, além de um ato de cidadania.

“Se cada um fizesse sua parte, a cidade estaria bem melhor. Não dá pra ficar só reclamando, esperando a Prefeitura resolver todos os problemas. Espero que isso incentive as pessoas, principalmente as crianças”, conclui o morador, que diz estudar o pedido de uma vizinha para cuidar de uma área verde municipal situada nos arredores.

Fonte: Jornal A Comarca

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