Fotógrafo cria acervo digital de discos de 78 rotações
Apaixonado pelo formato que foi substituído pelo LP nos anos 60, avareense Edel Coradi se dedica à restauração de fonogramas que guardam, inclusive, parte da história de Avaré
FLÁVIO MANTOVANI
A rotina é a mesma quase todos os dias. Logo após o final do expediente, o fotógrafo Edel Coradi, 56, tranca a porta de sua loja e segue para um pequeno cômodo que fica entre o estabelecimento comercial e a residência aos fundos.
Cercado por computadores, fios e equipamentos eletrônicos espalhados pelas três paredes, é ali que o avareense se dedica a uma atividade peculiar: a digitalização de discos de 78 rotações.
A paixão pelas bolachas, aliás, é denunciada logo de cara pela imagem na tela: Edel aparece ainda criança, sorridente, em volta da vitrola do avô Edmar.
O trabalho voluntário começou há pouco mais de um ano. Diferentemente do famoso Long Play ou LP, que atualmente vive um revival entre artistas e consumidores de música, os discos de 78 rotações deixaram de ser fabricados ainda nos anos 60. Eram menos resistentes que o primo mais novo e só tinham espaço para até quatro músicas. A indústria fonográfica, que chegava ao auge naqueles tempos, exigia mais.
O sumiço do mapa, porém, não diminui a importância da plataforma surgida por volta de 1900. “Meio século de tudo que constitui a história da música está em 78 rotações”, afirma Coradi ao Fora de Pauta.
E não apenas boleros, marchas e óperas. As preciosidades que o avareense mantém no arquivo incluem informes publicitários, propagandas eleitorais e músicas em árabe e japonês. Parte da história de Avaré também está contida nos discos: propaganda de lojas, prefixos radiofônicos, poemas e até cartas.
Já perto de mil exemplares, a coleção cresce aos poucos. Uma parte chegou após a morte de um tio. Outra parcela foi doada por conhecidos que sabem do seu interesse. “As pessoas me agradecem quando levo os discos embora”, brinca o avareense, enquanto mostra o armário no qual arquiva tudo que chega.
O entusiasmo quase não cabe dentro do homem de estatura baixa quando o assunto é indústria fonográfica. Ele cita empresas lendárias, discorre sobre gravações antológicas e explica em detalhes as tecnologias utilizadas ao longo das décadas.
Minucioso
O processo de recuperação exige tempo e paciência. Inicialmente, o disco de 78 rotações passa por uma inspeção para atestar sua condição estrutural. Os mais problemáticos ficam de escanteio, à espera do surgimento de uma cópia em melhores condições. A triagem só não se aplica aos mais raros, que já seguem direto para a etapa seguinte.
Após a limpeza, a chapa é colocada para rodar na vitrola ligada ao computador, que converte o sinal analógico em digital. Depois o áudio é submetido a softwares que corrigem a equalização e eliminam os ruídos. O selo original também é escaneado e posteriormente adicionado ao arquivo.
Pesquisa
Mas a tarefa não exige só técnica. Cada bolacha passa por uma pesquisa para identificar autor, intérprete, ano de gravação e número de série, entre outros dados. O resultado é um arquivo digital que reúne informações precisas de cada fonograma.
Cerca de 850 músicas, de um universo de 415 discos, foram restauradas até o momento. E o trabalho noturno segue sem data para terminar. O fotógrafo espera um dia disponibilizar o material na internet. Outra vontade, que já se aproxima de um sonho mesmo, é que o acervo faça parte de uma versão local do Museu da Imagem e do Som.
A reportagem é presenteada com um disco que traz o hino de Avaré. É a deixa para retomar a pergunta feita no início da conversa que ainda não tinha sido diretamente respondida. “Por que, afinal, 78 rotações e não o LP, por exemplo?”
Edel franze a testa. Tira os óculos e esfrega os olhos. Suspira. É como se toda a explicação até ali tivesse sido insuficiente. O relógio marca quase nove da noite.
Chega a pensar em uma resposta, mas desiste a tempo. “Deixa o LP pra quem gosta de LP”, resume.