Tim Maia: o mais louco (e pouco analisado) show da história da Fampop
Fora de Pauta reconstitui a folclórica (e curta) apresentação do cantor na Feira Avareense da Música Popular de 1994, na qual o carioca saiu de fininho do palco deixando a plateia no vácuo e a produção surtada
FLÁVIO MANTOVANI
Tim Maia está agitado. Canta um pedaço da letra de “Vale Tudo”, olha para o técnico e aponta para o retorno. Depois, com um gesto para os músicos, chama o refrão. “Alô, Avaré!”.
Enquanto os vocais de apoio mandam “só não vale dançar homem com homem”, ele toca repetidas vezes um indicador no outro. Quando chega a vez de “nem mulher com mulher”, trecho seguinte da letra, o sujeito que veste uma cintilante camisa azul faz um gesto parecido na altura da genitália.
Os metais assumem: introdução. O artista, que já havia enxugado a testa com a mão direita, faz um semicírculo no palco, chacoalha os ombros eroticamente e retorna ao microfone.
Em seguida, continua gesticulando para a banda enquanto canta um trechinho e outro e passa a maior parte do tempo praticamente de costas para o público, que pula e aplaude entusiasticamente o que parecia ser o presságio de um puta show.
Tem ainda disposição para comandar o coro em “Azul da Cor do Mar” e mandar um “Alô, prefeito!” ao avistar Miguel Paulucci na plateia, apesar da degradação física cada vez mais flagrante.
As imagens imortalizadas pela extinta revista eletrônica Polis Avaré podem até mostrar um Tim Maia alterado, mas – diferentemente do que diz o folclore – sugere que a coisa só foi à bancarrota mesmo no decorrer da apresentação. Nas versões que povoam o imaginário coletivo, Tim Maia havia desmaiado em pleno palco e, na variante mais ousada, sequer teria colocado os pés nele.
“Eu me lembro de que nas duas primeiras músicas ele cantou pra caramba. Depois, só ficou falando”, conta ao Fora de Pauta o radialista Clóvis Guerra, que estava na plateia.
A lenda, contudo, parece ter engolido os fatos, ou pelo menos parte deles. No livro “Vale Tudo”, o biógrafo Nelson Motta narra dessa forma o início do show. “Mas, por volta de oito e meia, Tim Maia e a (banda) Vitória Régia pisavam o palco diante de meia dúzia de doidões. Cambaleando, tropeçou pelo palco até o microfone, a Vitória Régia atacou a introdução de “Vale tudo” e ele não conseguiu cantar nada. Tonto e ofegante, trocando as pernas, foi levado para o camarim dizendo frases desconexas, enquanto choviam latas de cerveja no palco”.
A descrição de Motta, contudo, não bate com as imagens disponíveis, incluindo a referência à plateia composta por “meia dúzia de doidões”: o vídeo mostra que o Ginásio Kim Negrão estava lotado.
No mais pormenorizado relato já publicado sobre a passagem, o produtor Juca Novaes, um dos criadores da Fampop, atesta que o show durou incríveis 50 minutos, ainda que na base do “embromation”.
“Tim Maia estava visivelmente baleado. Cambaleando. Sem fôlego. Por sorte, a banda Vitória Régia era excelente. O cantor cantava apenas as introduções: “Me dê motivo”; “Eu preciso te falar”; “Vou pedir pra você voltar”, e as vocalistas e os músicos da banda faziam o resto. Enquanto isso, ele reclamava do som (“mais retorno”, “mais grave”), jogava discos de vinil para a plateia, usava colírio, tomava líquido. Estava no seu limite”, lembra Novaes na crônica “Loucura foi o show do Tim Maia”, que deve integrar um livro de memórias do produtor.
Tim Maia ensina a coreografia da música “Vale Tudo” durante a apresentação na Fampop
“De fininho”
Se a respeito da apresentação o Saci foi pintado bem mais feio do que realmente é, o mesmo não pode ser dito em relação ao que ocorreria depois que Tim saiu de fininho do palco, conforme relata Juca.
Tim já estava no camarim, meio desacordado e ofegante, quando alguém deu o sinal e a banda disparou “Do leme ao pontal”, prevista para o bis. Estava na cara, porém, que o cantor não retornaria. Num gesto de desespero, Juca levou as mãos à cabeça: “Lascou!”. (É claro que ele utilizou um verbo bem mais adequado para descrever o tamanho do rolo).
A batata agora estava nas mãos de Beto Xavier, o apresentador daquela Fampop. Caberia a ele “a ingrata tarefa de dar continuidade ao festival, naquele anticlímax no qual 2 mil pessoas aguardavam a volta de Tim Maia ao palco”, continua o produtor.
“Foi um dos acontecimentos mais absurdos da minha vida”, avalia Xavier ao Fora de Pauta. Como se não bastasse, também sobrou para ele perguntar ao microfone se havia um médico na plateia. A cena insólita constatava aquilo que a plateia já temia: o show havia ido para o vinagre. O público, claro, reagiu.
“Eu anunciei que o Tim Maia não estava muito bem e que talvez não tivesse condições de continuar. Aí começaram as vaias e já voou uma lata de cerveja perto de mim”, conta Beto.
“Quem é esse monstro?”
Até então apenas mais um na plateia, Poio Novaes foi o médico escalado às pressas para checar as funções vitais do cantor carioca. Assim que chegou ao camarim, acompanhado do prefeito Miguel, Tim Maia mandou na lata: “Quem é esse monstro aí?”.
Poio e o prefeito se entreolharam, surpresos. “Monstro” era o apelido de Poio entre o pessoal do centro cirúrgico da Santa Casa de Avaré, por conta das vestimentas características do setor.
Depois de alguns segundos de estranhamento e risadas posteriores, “monstro” iniciou a inspeção no “paciente”, que beirou a informalidade. “O cantor estava daquele jeito, mas falante”, relato o médico. “Mal toquei nele. Entrei mais como tiéte do que como médico”, minimiza Poio.
Chega de excessos!
Além de ter entrado para os anais da história avareense, o mitológico show parece também ter sido decisivo na vida do cantor.
Segundo o biógrafo Nelson Motta, o susto nos bastidores – a pressão alta e o mal estar em decorrência do excesso de drogas e álcool – fez com que Tim decidisse parar de cheirar e beber como um louco. O final do texto de Juca Novaes parece bem apropriado para ilustrar a mudança radical na vida do artista.
“Dois dias depois, estava eu frente à TV, vendo o mesmo Tim Maia no programa da Hebe, com a mesma roupa escarlate brilhante, o mesmo corpanzil inchado, a mesma atmosfera de visível embriaguez.
– Tim, meu querido, você está ótimo. Que bom que nunca mais falaram que você bebe, que você tem problemas nos shows. Não é mesmo?
– Hebe, parei de fumar, cheirar e beber. Só minto um pouquinho”.
Confira no link abaixo o trecho da apresentação que começa aos seis minutos.
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Lembro bem desse dia. Toquei com o Fratura Expostas no dia do show do Beto Guedes e como de praxe, quem tinha o ingresso de cortesia chegava antes de abrir a portaria. Já perto do ginásio, apesar da pouca idade, ofegante pela “subida”, escutei o som familiar de Tim Maia, imaginei que fosse ainda a passagem de som, mas reparei que a portaria já estava aberta e a fila andando. Uh é!? Consegui entrar e me aprumar na arquibancada, na segunda música que vi, “Do Leme ao Pontal”, Tim desconcertante desceu a escada pra não mais voltar, foi a versão mais longa da história dessa música, até ser encerrada abruptamente sem ninguém entender nada. Ainda bem, que no dia, estava também o ex-Secos & Molhados Tato Fischer que fez uma espécie de Pocket Show enquanto era decidido o resultado do festival.
muito bom! excelente matéria 😉