Pintor transforma residência em obra a céu aberto
Feita com pedras, pedaços de tijolos, azulejos quebrados e madeira, criação do pintor José Wilson chama a atenção de quem passa por rua de Avaré
FLÁVIO MANTOVANI
É quase impossível passar pela Rua Bahia, em Avaré, e não se sentir fisgado por um muro situado na altura do número 2000. Adornada com pedras, pedaços de tijolos, azulejos quebrados e madeira, a estrutura exibe um mosaico colorido em alto relevo que se destaca da rua.
Dali, o olhar é atraído para o quintal – também enfeitado com adereços feitos com material descartado – até chegar lá no alto, onde se vê a fachada de uma residência trabalhada dentro do mesmo conceito.
A obra a céu aberto é uma criação pintor José Wilson, 69, que mora no endereço há 38 anos. Em 2016, ele deu início à transformação do espaço meio que por acaso. “Juntei umas pedras e coloquei no muro. Deu certo. Depois fui pra lateral até chegar na casa. Peguei tudo na caçamba”, conta ao Fora de Pauta.
Feita sem pressa, como faz questão de enfatizar, a invenção logo começou a chamar atenção de quem passava pela via. “As pessoas param e ficam olhando do carro. Esses dias uma moça perguntou se podia filmar. Acho bonito”, conta, orgulhoso da proeza.
Wilson foi descobrindo sozinho o caminho das pedras. Algum escultor ou artista preferido? “Faço tudo de acordo com minha cabeça”, resume, sugerindo que passa à margem de qualquer conhecimento acadêmico.
De repente, enquanto falava sobre a técnica empregada no muro, o entrevistado interrompe o raciocínio ao ler a inscrição “The Beatles” na camiseta do repórter. “Esse conjunto é bom. Toquei bateria por 32 anos. Vou te mostrar um negócio”.
A reportagem aguarda na varanda da residência, bem acima do nível da rua, que reserva uma vista privilegiada da cidade. À frente, o Cristo Redentor. Ao retornar, o entrevistado tem em mãos a carteira da Ordem dos Músicos do Brasil. O documento atesta: baterista. A música, paixão mais antiga, acaba exercendo influência sobre o projeto que ele executa atualmente. “A ideia sai melhor”.
De relance
Um conhecedor de arte poderia, com algum exagero, ver ali a influência do arquiteto catalão Gaudí. Ou mesmo identificar resquícios da técnica empregada por Gabriel Joaquim dos Santos na Casa da Flor, patrimônio artístico de São Pedro da Aldeia (RJ).
Mas o fato é que Wilson não conhece nenhum desses nomes. Diz que já ouviu falar, assim, meio de relance, na conterrânea Djanira. Mas é só. A avareense é um ícone da arte Naif, nome pelo qual ficou conhecido o estilo adotado por pintores sem formação acadêmica.
“Faço a olho”, reitera, sem se preocupar com teorizações. Por outro lado, o pintor se mostra familiarizado com o conceito de perenidade frequentemente associado a obras de arte. “É um negócio definitivo. Não tem esses caras que escrevem livro, depois morrem e o livro fica? Então: é isso”, filosofa.
Wilson chegou a receber propostas para desenvolver sua arte em outras residências, mas negou todas as ofertas. A ideia é dedicar-se exclusivamente à sua obra-prima, embora sejam poucos os espaços que ainda não tenham passado por intervenção.
De repente, ele interrompe o raciocínio mais uma vez e olha para o muro. Vê-se que é um olhar de ternura, mas também de surpresa. É como se, naquele segundo, o pintor custasse a crer que cada detalhe tivesse sido feito pelas suas próprias mãos.
Mas a hesitação logo passa. “Deus deu o dom. Quando ele quer, não tem jeito”, finaliza, subvertendo mais uma vez qualquer teorema racionalista.
Passo praticamente todos os dias em frente à essa casa e é impossível não admirar, sempre percebo algo que antes não tinha notado.
Excelente matéria! Parabéns!!!
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