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FEB, 80 anos: relembre histórias dos avareenses que lutaram na 2ª Guerra

Cerca de 25 mil soldados brasileiros foram enviados para combater na Europa, incluindo 33 pracinhas de Avaré; um deles não voltou pra casa

Flávio Mantovani*

Assim que foi escalado para a linha de frente, o avareense Sérgio Bernardino correu contar a notícia ao conterrâneo que servia no mesmo acampamento na Itália.

“Quero rasgar barrigada de alemão na faca”, disse a Rufino Gomes, que também integrava a Força Expedicionária Brasileira (FEB).

Era abril de 1945. Pressentindo algo de ruim no ar, Rufino pediu que o colega tivesse cuidado: os nazistas, evidentemente, tinham o mesmo desejo.

Dito e feito. Sérgio Bernardino foi morto em 14 de abril daquele ano, a menos de um mês da rendição alemã. Tinha 22 anos.

Sua divisão havia saído com a missão de desalojar inimigos encastelados nas colinas de Montese.

“Quando os nazistas desencadearam um forte bombardeio de artilharia com cerca de 2.800 tiros, ele acabou mortalmente atingido no meio da tarde”, explica o pesquisador Gesiel Júnior, autor de mais de 40 livros sobre a história de Avaré e região.

A atuação da FEB foi decisiva para a tomada de Monte Castello e Montese, duas das mais emblemáticas batalhas da 2ª Guerra.

Reprodução do pracinha Sérgio Bernardino feita pelo artista plástico Fernandes

FEB e os 33 de Avaré

Trinta e três jovens de Avaré fizeram parte da FEB. Sérgio Bernardino foi o único a não voltar pra casa.

O governo brasileiro enviou mais de 25 mil soldados, incluindo oficiais. O primeiro grupo partiu rumo à Europa em 2 de julho de 1944, há 80 anos.

Mais quatro grupos foram despachados até fevereiro 1945. Cerca de 90% dos integrantes da FEB eram civis da reserva, convocados por telegrama para lutar no conflito. A maioria não tinha experiência prévia em combate.

Aproximadamente 450 brasileiros morreram em batalhas durante a 2ª Guerra, segundo a contagem oficial.

Sérgio Bernardino foi sepultado no cemitério de Pistoia, na Itália, junto a outros heróis de guerra (confira a foto acima feita pelo empresário Cláudio Albuquerque). 

Seus restos mortais foram enviados ao Brasil em 1960, ficando temporariamente no Monumento aos Pracinhas no Rio de Janeiro. As cinzas do avareense estão hoje no monumento que homenageia os expedicionários de Avaré no Largo São João, centro da cidade, obra do escultor Fausto Mazzola.

Monumento na região central da cidade homenageia os expedicionários de Avaré

Outros inimigos

Os alemães não foram os únicos inimigos que os brasileiros tiveram que enfrentar. As privações começaram ainda no navio, antes do desembarque no Velho Mundo.

Só serviam almoço durante o translado. A única refeição do dia vinha acompanhada de duas laranjas.

O avareense Pedro Mariano da Silva chupava as frutas e guardava as cascas no bolso. Lá pelas 9 horas da noite, quando a fome apertava, o pracinha buscava os restos no fundo do uniforme. “Era a coisa mais gostosa do mundo”, contava.

Outras adversidades seriam vivenciadas já em solo europeu. Ações simples como beber água eram dificultadas pelo rigoroso clima europeu. O conteúdo do cantil que ficava junto da cama virava gelo no meio da noite.

Não dava nem pra pitar. “Se acendesse um cigarro, levava bala. O inimigo estava por ali”, relatou Pedro Mariano.

O pracinha se emocionava ao contar uma passagem. Certa vez, um colega acionou acidentalmente uma granada. Pedro Mariano não teve dúvida: deu um tapão da mão do soldado desastrado, jogando o artefato pra fora da trincheira.

“A granada explodiu e ficamos cobertos de terra”. Como se não bastasse o susto, o avareense precisou intervir pra salvar a pele do sujeito. “Queriam dar um tiro nele”.

Pedro Mariano morreu em 12 de abril de 2015, aos 93 anos. Era o último dos combatentes avareenses ainda vivo. A reportagem acompanhou seu enterro.

Morte como rotina

“A guerra é um negócio triste”, sentenciou o pracinha Rufino Gomes. Mas chega um momento em que o contato com a morte vira rotina, a ponto de o sujeito perder o medo.

A revelação é de Nicola Cortez Neto, outro avareense a integrar a FEB. Servindo em Porreta-Terme, ele costumava frequentar uma cantina americana. O local tinha uma casa onde os soldados tomavam banho quando o conflito dava uma trégua.

Os alemães, no entanto, estavam atentos a tudo. Quando viam a aglomeração na praça central, os nazistas derramavam pesados bombardeios.

“A gente corria se abrigar nos prédios já em ruínas. Muitos morriam nesses ataques. Eu me lembro de dois americanos num Jeep. O que conduzia o veículo levou um estilhaço no pescoço e caiu morto sobre o volante, com a cabeça quase decepada do corpo”, rememorou Cortez.

Paixão no front

Nem só de morte vive o front. O pracinha avareense Edmundo Trench viveu um romance com uma italiana chamada Pierina.

A moça era partisan, ou seja, pertencia ao movimento armado que resistia à ocupação da Itália pelos nazistas.

A única lembrança do romance é uma fotografia na qual a bela italiana aparece com roupas militares, botas e revólver na cintura. No verso, apenas a inscrição “Ricordo di campagni brasigliani. Pierin”, datada de 16 de junho de 1945.

Coube a Zilda Trench, com quem Edmundo se casaria em dezembro de 1946, após o retorno a Avaré, o papel de preservar os itens do marido.

Professora, ela tinha consciência de que a história deveria ser preservada. “Ela sabia que foi um amor do tempo da guerra, e que esse romance, assim como a guerra, já havia acabado”, descreve Maria Olivia Trench, filha do pracinha.

O pracinha Edmundo Trench, que viveu um romance com uma italiana durante a 2ª Guerra

Um registro histórico

Os relatos de Rufino Gomes, Pedro Mariano da Silva, Nicola Cortez Neto e Edmundo Trench estão no documentário “Avareenses: Heróis de Guerra” produzido em 2009 pelo empresário Cláudio Albuquerque.

Não fosse esse trabalho, o débito de Avaré com seus pracinhas seria ainda maior. Cinéfilo e pesquisador da 2ª Guerra, Albuquerque entrevistou os últimos expedicionários avareenses ainda vivos, imortalizando a memória dos combatentes locais que lutaram contra o horror do nazifascismo em território europeu. Uma versão do documentário está disponível no YouTube. Confira abaixo. 

*Matéria originalmente publicada na edição nº 1531 do Jornal A Comarca (Avaré-SP). 

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