Reportagens

Finados: a corrida contra o tempo das zeladoras de túmulos

Fora de Pauta acompanha a rotina das mulheres cuja função é deixar as sepulturas prontas para a visitação no feriado 

FLÁVIO MANTOVANI

A movimentação contrasta com o clima de tranquilidade geralmente predominante no ambiente. Armadas com chapéus, luvas, vassouras, baldes e produtos de limpeza, mulheres lavam jazigos, dão brilho em artigos de bronze e enceram azulejos queimados pelo sol.

Mas não são parentes dos mortos. Vão de quadra em quadra cumprindo a ocupação que ganha notoriedade com a proximidade do Finados. São as cuidadoras ou zeladoras de túmulos do cemitério municipal de Avaré, que tem aproximadamente 7300 sepulturas.

Cerca de 20 pessoas se dedicam à função. Elas são pagas pelas famílias dos falecidos e não têm vínculo empregatício com a municipalidade. 

Embora sejam mais vistas nessa época do ano, é comum encontrá-las de terça a sábado, já que a maioria cuida de jazigos durante o ano todo. Os valores variam entre R$ 20 e R$ 70 mensais, dependendo do tamanho do sepulcro.

Mas há uma tensão no ar nesta primavera de 2017. O motivo: a chuva do último final de semana. De acordo com a Secretaria Municipal da Agricultura, foram registrados 60 milímetros no domingo, 29. Mais da metade num intervalo de apenas 40 minutos. Outros 32 milímetros caíram na segunda, 30. Estragos e alagamentos foram verificados em vários pontos da cidade.

A precipitação violenta também prejudicou túmulos que já haviam passado por intervenção e atrasou o andamento dos trabalhos. Já era manhã de terça-feira, 31, e as zeladoras Julieta Verpa e Elisabete Alves ainda tinham muito pela frente: 110 túmulos para ser mais exato. 

O tempo é curto e elas não param as atividades – dar brilho em imagens de santos, polir placas com nomes – enquanto falam com a reportagem. Julieta, que atua como cuidadora há 25 anos, resume o significado do sufoco. “Tem que ter amor”.

Mas há outro empecilho que não deixa de ser uma ironia: a falta de água nas torneiras do campo santo, embora o solo ainda esteja visivelmente encharcado. Como há muitas profissionais trabalhando simultaneamente, o sistema de abastecimento não dá conta da demanda.  

“Tem que procurar uma que funcione e trazer água no balde. Às vezes ela fica muito longe”, conta Elisabete, no ramo há apenas três anos.  

Maria Luiza Araujo (foto), a Nena, diz que está no batente desde sábado, 28, para tentar concluir a tarefa, o que obrigou a matriarca a recorrer à ajuda da filha.

Na área há 16 anos, ela afirma não temer os mortos. “De jeito nenhum. Eles não voltam. Se voltassem seria até bom: ninguém levaria as argolas”, ressalta. A fala da zeladora coloca em evidência outro problema relatado pelas entrevistadas: o furto de artigos, geralmente de bronze, que adornam os jazigos. 

Sob a sombra de uma árvore, Isabel Teixeira, a Belzinha, aproveita para dar uma respirada. “A gente fica bêbada sem precisar beber”, ressalta sobre a correria provocada pelas chuvas.

Ela diz que é uma das mais antigas na função – atua há quase 30 anos – e cuida de 180 túmulos. Chega a pegar uns 30 a mais no Finados.

Não é só a falta de água que preocupe Belzinha. “Acho que vai chover”, pondera, pensativa. Apesar do prognóstico, ela afirma que não arredará o pé do cemitério até que tudo fique nos trinques. Entre 15 e 20 mil pessoas devem passar pelo local nos próximos, estima a administração do espaço.  

Outro lado

O servidor Fernando Fileto, interventor da instituição, afirma que a falta de água é causada pela alta no consumo. “As torneiras não conseguem vencer a demanda e uma acaba “roubando” a vazão da outra”, explica. O funcionário lembra que conta é inteiramente custeada pelo município.

Fileto ressaltou ainda que a administração vem tomando medidas na tentativa de coibir os furtos, entre elas o fechamento dos portões principais nos dias de semana. O objetivo é intimidar os meliantes, já que o acesso alternativo fica perto do prédio frequentado por servidores. “Toda vez que chega uma reclamação, nós fazemos boletim de ocorrência”, enfatiza o gestor. 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

error: Para reproduzir nosso conteúdo, entre em contato pelo contato@foradepauta.com