Crônica

Retrato de uma solidão

A casa está em silêncio, parece maior agora. É estranho: há pouco quase não comportava as vivas almas que tumultuavam o clima de monastério que reina durante o ano todo.

Cá estou de novo, sozinha, empurrada para esse poço de solidão também chamado de velhice. Os netos se foram assim como os filhos se foram um dia.

Sempre foi assim. Presentes, ceia, um beijo formal no rosto, algumas horas jogando conversa fora. De repente olham o relógio e dão um salto do sofá, cada qual com a sua justificativa. “Tenho que ir: negócios”. “Preciso passar uns dias na cidade do meu namorado”. “Vou pegar uma praia com os amigos”. Nem se dão ao luxo de renovar os argumentos do ano anterior. Simplesmente se vão, como se nutrissem uma necessidade irrevogável de ir.

Essa parece ser uma casa de partidas, nunca de chegadas. No máximo um porto de apoio. Eu fico com a sensação de que tudo não passa de obrigação, uma formalidade imposta pelos pais ou pela consciência. Deus me perdoe por pensar assim. Eu sei que eles me amam, mas fico triste por nunca ter tempo de demonstrar o meu afeto.

Penso em palavras de amor, seleciono memórias e ensaio chantagens na tentativa de fazê-los voltar em breve. Porém acabo no sofá, à deriva, sem acompanhar a conversa, tendo que suportar os descabidos flertes entre primos e primas, perdida entre a farra dos que até ontem eram crianças, hoje homens feitos e mulheres belíssimas.

Não está longe, porém, o dia em que não precisarão mais vir. Ou melhor, virão pela última vez, às pressas, diante da notícia inesperada. Confesso que não ficaria incomodada se acontecesse durante um dia útil.

E que o meu sorriso irônico no caixão simbolize – para a perplexidade de todos – a morte da velha desculpa: “Estou muito ocupado com o trabalho. Só nos veremos no feriado”.

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