Origem do choro em Avaré é tema de mestrado na UNESP de Assis
Dissertação do historiador avareense Caio Orru esmiúça relação da cidade com o gênero musical; recorte temporal da pesquisa parte dos anos 50 e segue até 2019
Flávio Mantovani
O ano era 2020 e o estudante de História Caio Orru buscava um objeto de pesquisa para seu trabalho de conclusão de curso.
Ele tinha só uma certeza: queria estudar música popular brasileira. Mas, diante da vastidão do tema, o avareense precisava encontrar um recorte, requisito para qualquer trabalho acadêmico.
Sua relação com a música havia começado muito antes. Caio ouvia os vinis do pai, que chegou a tocar bateria numa banda de rock.
Já a mãe curtia música brasileira, gostava de cantar e até se apresentou na Feira Avareense da Música Popular, a Fampop.
Ele próprio tocou bateria durante a adolescência numa banda de rock pesado, a Four Side. Mas foi a produção musical brasileira que o pegou de vez a partir do ingresso na graduação da UNESP de Assis.
“Eu fui entendendo o meu país através da nossa música”, afirma ao Fora de Pauta o historiador e professor, hoje com 29 anos.
Mas voltemos ao recorte. O que Caio não esperava é que seu objeto de pesquisa estava bem debaixo do seu nariz.
Revisando as origens da música no país, o então estudante passou pela música instrumental, presente no Brasil desde os tempos de colônia.
O choro, evidentemente, fazia parte do pacote. Dali até chegar no choro de Avaré, onde o estilo já era praticado em meados do século passado, foi um pulo.
“E o recorte caiu no meu colo”, brinca o historiador. “Decidi estudar o movimento do choro da minha própria cidade”.
Mestrado
Após concluir a graduação na Fundação Regional Educacional de Avaré (FREA), Caio voltou para a UNESP com outro propósito: escrever um mestrado sobre o tema.
A dissertação “Na Roda da História: Memórias, Trajetórias e Historiografia do Choro em Avaré” foi defendida em maio de 2024.
Nela, o pesquisador se debruça sobre as origens do gênero e elenca três fases do movimento musical.
A gestação começa nos anos 50 com Luiz de Paschoal (1913-1997), mentor de vários conjuntos que tocavam diversos estilos, entre eles o choro.
A segunda fase acontece nos anos 70 com o aparecimento de Jamil José Ribeiro Caram (1926-2014), para muitos o “pai” do choro em Avaré.
Difusor do estilo, Caram encontrou na cidade um importante aliado: o músico Antônio Teixeira de Abreu (1944-2019).
Violonista de origem clássica, Teixeira adotou o violão de sete cordas a partir do contato com Caram, se transformando nas décadas seguintes em referência nacional no instrumento.
“A ligação entre os dois provoca uma seriedade nas rodas de choro”, explica o historiador. Eles são chorões propriamente ditos”.
A influência da dupla culmina numa terceira fase onde já há profissionais do gênero em Avaré, a exemplo de Altino Toledo, professor de bandolim no prestigiado Conservatório de Tatuí.
“Isso vai afunilar a relação do choro com Avaré, desembocando em programas de rádios, festivais de choro e na criação do Clube do Choro que existiu até 2019”, continua o estudioso.
Essa fase de profissionalização do movimento continua dando frutos, ainda que indiretamente. Só pra citar um exemplo: João Camarero, violonista destaque entre os maiores solistas do Brasil, viveu em Avaré e teve aulas com Teixeira.
Avaré e o choro
Primeiro gênero musical eminentemente urbano do país, o choro encontrou guarida em Avaré, um município interiorano onde predominam outros estilos musicais.
Orru atribui isso à receptividade que a cidade sempre teve à cultura. Basta lembrar que Avaré é terra de Djanira da Motta e Silva (1914-1979), uma das mais importantes pintores da segunda fase do modernismo brasileiro.
O Clube Avareense de Cinema (CAC) criado em 1956 foi um dos cineclubes mais ativos do interior de São Paulo. Além disso, Avaré deu a luz à Fampop, tradicional festival reconhecido em todo o país.
Mesmo sendo um gênero com doses de virtuosismo e, para alguns, de difícil assimilação, o choro segue tendo seu espaço na cidade.
“O choro avareense não se aparta da sociedade” e está relacionado a “conjunturas econômicas, políticas e culturais que vão se emaranhando e fazendo com que o choro se consolide”, postula o autor.
Essa relação choro/Avaré é detalhada na pesquisa. O autor chegou à conclusão por meio de entrevistas e da consulta a documentos e jornais da cidade, entre outras fontes históricas.
“A dissertação é um encontro entre a história de Avaré e seus chorões”, sintetiza Orru.
Orientada pelo pós-doutor em História Wilton Carlos Lima da Silva, “Na Roda da História: Memórias, Trajetórias e Historiografia do Choro em Avaré” pode ser lida no link abaixo.
https://repositorio.unesp.br/server/api/core/bitstreams/777bf909-5df4-410d-9fdd-da85a21135ed/content