Mineiro faz sucesso ensinando segunda voz na internet
Além de ensinar a técnica para cantores amadores, Kauê chamou atenção de famosos como Marrone e César Menotti, entre outros destaques do gênero sertanejo
Flávio Mantovani
O refrão está perto. Prestes a entrar em ação, o cantor à direita do palco (às vezes à esquerda) aproxima o microfone da boca, que desde o início da música serviu apenas para martelar suavemente o ar.
Até ali, a voz que se ouve nas caixas de som saiu exclusivamente das cordas vocais do parceiro. O cenário, no entanto, está prestes a mudar. O microfone já está alinhado ao seu rosto. Um movimento rápido de tórax para encher os pulmões de ar, os olhos se fecham e está dada a deixa para o momento apoteótico: agora ambas as vozes estão juntas, numa linha melódica que parece se encaixar com perfeição.
Subestimada e geralmente incompreendida pelo ouvinte comum, a segunda voz gera muito interesse entre aspirantes a cantor e profissionais da música.
Mas que diabos é segunda voz? É a técnica de cantar uma terça – às vezes uma quinta – acima da nota principal. Trocando em miúdos: enquanto o primeira voz emite um “dó”, o parceiro tem que se virar para soltar simultaneamente um “mi”, variando entre a escala mais aguda ou grave.
O resultado é o dueto, combinação que dá aquele molho à melodia. Como não caminha sobre as notas principais, a segunda soa “estranha” quando cantada sozinha justamente por não ser a linha melódica que o ouvinte identifica com mais facilidade. Se alguém fizesse apenas a segunda voz naquele churrasquinho entre amigos, por exemplo, todo mundo pensaria que o sujeito está desafinado.
Alquimia
Por conta de suas singularidades, o aprimoramento da técnica é uma espécie de alquimia na qual segundeiros amadores e profissionais se debruçam para descobrir seus segredos.
Foi para ajudar a desvendar esses mistérios que surgiu o Segunda Voz Brasil, plataforma digital idealizada pelo cantor mineiro Kauê, da dupla Fael e Kauê.
O canal tem quase 7 mil inscritos no Youtube, outros 7 mil seguidores no Facebook e quase 13 mil no Instagram, incluindo famosos como Marrone, César Menotti, Marcos e Belutti, Chrystian (parceiro de Ralf), Zezé de Camargo e Luciano e outros destaques do gênero sertanejo, onde a técnica é amplamente utilizada.
Mas tudo começou meio de brincadeira. Familiarizado com a música desde muito jovem e segundeiro de mão cheia, Kauê decidiu disponibilizar alguns vídeos fazendo a segunda voz no canal de sua antiga dupla.
“Postei só pra brincar, sem pretensão nenhuma. Mas a repercussão foi muito grande e a galera começou a pedir mais e mais. Eu fiquei até assustado. Não tinha gente que fazia isso na época no Youtube”, revela ao Fora de Pauta.
Há dois anos, Kauê criou o Segunda Voz Brasil, o único do país no segmento. “Há vários canais de aulas de canto, mas o único específico de segunda voz é o meu”, afirma o mineiro, que reside em Uberlândia.
Além de angariar seguidores, o idealizador começou a receber encomendas de todo o país. “Tem vários cantores do Brasil inteiro que compram o áudio de 40 músicas de uma vez. Muita gente tem dupla, mas não sabe fazer segunda voz. Aí o cara me manda o repertório e eu mando o vídeo gravado de como se faz”, explica.
O boné com o nome do canal também passou a ser cobiçado depois que apareceu na cabeça de Gabriel, que faz dupla com Zé Henrique. Até então, a ideia era apenas ilustrar as gravações.
Durante uma passagem dos dois pela cidade, Kauê havia presenteado o artista com um boné feito especialmente para ele. “O Gabriel postou no Instagram e a galera começou a pedir boné pra comprar. Isso se tornou mais uma fonte de renda”, aponta o cantor, que diz vender uma média de dez peças por mês.
Quem é o cantor?
Kauê não se chama Kauê. O nome de batismo do mineiro de Ituiutaba é Bruno Nunes Franco. Ele conta que queria um nome artístico singular e passou a pesquisar nomes na internet com o objetivo de encontrar um que fosse forte, que tivesse um diferencial. Até que topou com Kauê. “Foi escolhido a dedo. E parece que deu certo: até meu pai me chama de Kauê”, revela.
O cantor de 29 anos ainda não vive só da música. Família, filha e a segurança na empresa em que trabalha com o pai desde os 15 anos exercem uma influência definitiva sobre sua vida.
A música, porém, está sempre presente. Além de gravações de encomendadas, bonés e aulas de segunda voz, os shows mensais com Fael contribuem para engordar o orçamento.
Aprenda a fazer a segunda voz da música “126 cabides”, de Simone e Simária, no link abaixo.
Estratégia
Nesse meio tempo, o Segunda Voz Brasil começou a chamar atenção.
No seu canal no Youtube, o mineiro aparece em gravações enviadas especialmente para ele colocar voz. Neste caso estão famosos como Santiago (da dupla com Guilherme), Gabriel (Zé Henrique e Gabriel), César Menotti (parceiro de Fabiano), Gian (ex-parceiro de Giovani) e Juliano (da dupla Henrique e Juliano).
Curiosamente, Kauê também faz a primeira voz nestes vídeos, uma vez que os parceiros são ilustres segundeiros, embora haja inversões (quando um passa para a voz do outro). Em outras gravações ele segue apenas a proposta original, caso daquela feita por Robertinho (parceiro de Léo Canhoto).
Uma estratégia aparentemente simples – aliada ao talento do mineiro – fez com que ele fosse ouvido entre os milhares de segundeiros do país. “Eu posto e marco os vídeos no Instagram deles. Os caras gostam e começam a seguir. Aos poucos fui conquistando esses artistas”, comemora.
Kauê diz ainda integrar um grupo no WhatsApp que inclui Marcos (parceiro de Belutti), João Neto (dupla com Frederico) Maraísa (parceira de Maiara), João Bosco (que faz dupla com Vinícius), Munhoz (parceiro de Mariano), Diego (Henrique e Diego), Durval (da dupla Durval e Davi), Prainha (Praião e Prainha), Fernando (parceiro de Sorocaba) e Marrone. O assunto preferido? Segunda voz.
Além da estratégia de convidar – via rede social – estrelas da música, os próprios admiradores do canal costumam sugerir a produção de Kauê para outros artistas. “Nosso trabalho chega tão longe que a gente nem imagina”, reflete o entrevistado.
O canal no Youtube tem ainda vários duetos com nomes regionais. Na maioria dos casos, porém, prevalece a proposta inicial: Kauê canta sozinho, apenas com o áudio lá no fundo para que o internauta possa aprender a segundinha de cada música.
A plataforma tem quase 300 vídeos que somam quase 1 milhão de visualizações. Os mais populares batem a casa dos 30 mil acessos e já começam a render grana ao autor.
Está nos planos do parceiro de Fael um DVD só com segundeiros. O projeto, que já tem a participação confirmada de alguns famosos, ainda está em busca parceiros e não tem prazo para sair do papel.
Liguem o microfone do Marrone!
Além de seu talento, o caráter profissional que Kauê procura dar ao tema corroborou para o sucesso do canal entre público e artistas. O mineiro vê a técnica como uma espécie de templo sagrado que costuma ser profanado por embusteiros e farsantes.
“Sempre teve preconceito, que o segunda voz não canta. Então eu gosto de mostrar para as pessoas que a segunda voz desenha, completa a música. A mesma música, quando colocada a segunda voz, fica com outra cara”, defende.
Ele atribui o estigma a cantores que se dizem segundeiros, mas não dominam a técnica e chegam ao cúmulo de dublar no palco. “É um desrespeito muito grande com a gente que tem essa função. É por isso que tem esse preconceito. A culpa é desses caras”.
Dada a seriedade com que trata o tema, Kauê confidencia já ter sido procurado inclusive por famosos para dar consultoria sobre o tema, mas não revela nomes.
Apesar do sucesso na rede, a humildade típica de mineirinho transparece quando o cantor fala sobre o próprio trabalho.
“Quando me procuram, eu digo sempre que não tenho teoria, que não sou formado e não sou professor de canto. Apenas dou aula prática, mostro como faz música por música. O jeito certo de aprender seria com um professor de canto”, avalia Kauê.
Os seus milhares de seguidores na internet parecem não concordar com ele.
Aprenda a fazer a segunda voz da música “As andorinhas”, do Trio Parada Dura.
Não está cantando somente a segunda voz,ele uso muito terceira voz
Massa essa reportagem. Com certeza o Kauê já um ícone da segunda voz no meio sertanejo.
Assisto todos seus videos.
Sem querer desmerecer, também acho o título Rei exagerado.
Na minha opinião, o Rei da Segunda Voz sertaneja se chama Creone.
Mas Kauê figura entre os melhores.
Parabéns.