Idoso ganha a vida com tabloide feito à mão em Itapetininga
Conhecido na região, jornal Itapercanjo existe há quase 18 anos e “salvou” a vida de seu idealizador, Santino França, que diz fazer tudo sozinho, da produção à distribuição
Matheus Fazolin
G1 Itapetininga e Região
Grafia diferente, cores intensas, aspecto caseiro e uma liberdade editorial para ninguém botar defeito. Inspirado nos livros de cordel do nordeste brasileiro, o jornal mensal Itapercanjo, que leva o nome de duas cidades da região: Itapetininga e São Miguel Arcanjo, foi um renascimento na vida de Santino França, seu idealizador.
Há quase 18 anos ele passa pela mesma rotina e, em tempos de tanta tecnologia, produz notícias e escreve crônicas de próprio punho, desenha charges e cola imagens sobre uma folha branca. Santino se diz atento sobre tudo o que acontece em sua volta.
Pelo tabloide, formato de jornal que surgiu em meados do século XX, o senhor de 61 anos que adora se comunicar conta a história da região de Itapetininga e diz que seu público prefere “o jeito raiz de ler notícia”.
Cada edição tem 30 páginas, mas segundo ele, se houver um fato de última hora, a edição é estendida e distribuída com 32 ou 34 folhas recheadas de entretenimento e notícias caseiras.
O conteúdo é diversificado e nas folhas é possível encontrar notícias de apreensão de drogas, acidente de trânsito, histórias de personalidades, política, fofocas e até desenhos para crianças. “O diferencial é que eu coloco o pessoal da região aqui. Tiro fotos deles e coloco no Itapercanjo, sempre me cobram para aparecer”, explica.
A distribuição dos exemplares começa pelas cerca de 30 lojas que apoiam financeiramente o tabloide em Itapetininga, Sorocaba, Pilar do Sul, São Miguel Arcanjo e Angatuba. Depois, o material é disponibilizado ao público em geral.
O idoso afirma que são distribuídas aproximadamente três mil cópias do Itapercanjo, sendo duas mil coloridas e mil em preto e branco. “As coloridas precisam pagar. A versão em preto e branco é de graça”, esclarece. Financeiramente o projeto rende, em média, um salário mínimo por mês.
Atualmente ele divide uma casa simples com a companheira de 42 anos e revela que tem dois filhos no Paraná, da “época da perdição”, mas diz que não os vê há mais de 30 anos, desde que a mãe deles morreu.
Por trás das páginas
Na tarde do dia 22 de novembro de 2000 começava a ser distribuído em toda a região o primeiro exemplar do Itapercanjo, que na época se chamava Itapercansul. O jornal manuscrito está em sua 513ª edição, segundo o autor. De lá pra cá, muita coisa mudou.
Mas uma história que não está presente no tabloide e nem era imaginada nas mais profundas reflexões de Santino, é a trajetória que ele precisou percorrer até chegar onde está.
O idoso, que só estudou até a quarta série, saiu de casa no início da adolescência, trabalhou no circo, ganhou na loteria nos anos 80, teve dois filhos que não os encontra há 30 anos, e levou um susto: em um curto período de tempo pegou uma pneumonia forte e tuberculose, que quase o levou à morte.
Santino França relembra que sua maior conquista começou em uma fase difícil de sua vida. “Com a doença não conseguia encontrar emprego de jeito nenhum. Foi aí que tive a ideia de fazer o tabloide e, por sorte, todo mundo gostou”, lembra.
Durante a conversa com o G1, ele afirma que já havia trabalhado como pedreiro, ajudante de serviços gerais e ficou uma década no circo, mas viu a vida mudar ao ganhar um bom dinheiro na loteria, com apenas 24 anos.
Segundo ele, o dinheiro não durou e, em 1996, pegou tuberculose, uma doença bacteriana infecciosa que afeta diretamente o pulmão. Pouco depois de ser recuperar, em 1999, teve uma forte pneumonia. “Fui me curar só em 2000, quando comecei o Itapercanjo”, diz.
Atualmente com 61 anos, completará 62 dia 1º de junho, fato que ele gosta de lembrar, e morador do bairro Morro Alto, em Itapetininga, Santino afirma que lê tudo o que encontra pela frente. “Lia e leio de tudo: Bíblia, bula de remédio, cartas, revistas, gibis. De tudo um pouco!”, diz entre risos enquanto folhava as páginas do último exemplar de sua criação.
“Eu via que na época, entre 1999 e 2000, não tinha nada parecido com o que eu queria fazer. Então me inspirei nos livros de cordel e comecei a produção”, relembra.
Nome do tabloide
Nascido em Sete Barras, na região de Santos, Santino diz que morou em Buri, mas cresceu entre os municípios de Itapetininga e São Miguel Arcanjo. “O nome do tabloide vem das cidades que morei. O primeiro nome era Itapercansul, mistura de Itapetininga, São Miguel Arcanjo e Pilar do Sul, mas o pessoal não gostou”, brinca.
“A segunda tentativa foi Itapercanduba, tentando incluir a cidade de Angatuba, mas acho que as pessoas acharam difícil, então ficou Itapercanjo mesmo, foi o que mais pegou”, explica.
Após o programa ser exibido pela TV TEM, Santino afirma que recebeu diversos telefonemas e convites para ir à São José do Rio Preto, Osasco e até a São Paulo.
Ele conta ao G1 que diversos jornais queriam fazer parcerias e tê-lo como palestrante, mas declinou o convite porque precisava cuidar de sua companheira.
Além da TV, Santino já apareceu em diversos jornais da região, que retrataram o esforço em fazer um tabloide manuscrito mensal. A TV TEM, que completou 15 anos no dia 6 de maio, foi destaque nas páginas do Itapercanjo em 2013, quando comemorou 10 anos.
‘Visão divina’
Após 513 edições, Santino diz não se arrepender de nada. Afinal, tudo o que passou, transformou “aquele jovem” no que ele é hoje.
Sentimental e com um jeito diferente de encarar a vida, ele diz que “o Itapercanjo é como se fosse um filho adotivo que eu nunca vou deixar. Sinto muito orgulho dele”.
Quando questionado se trocaria o tabloide manuscrito pelo prêmio que ganhou na década de 1980, o idoso desvia o olhar e fica dividido.
“O dinheiro é muito bem-vindo, só que é pura ganância. O que faz bem para mim é fazer isso aqui. Minha vida não faria sentido sem ele”, afirma apontando ao tabloide.
Santino, que se considera um homem religioso, revela que uma aparição de Nossa Senhora Aparecida o influenciou a seguir seu desejo de criar e comunicar.
Já no fim da entrevista ao G1, o senhor comunicador de Itapetininga emendou um “não liga não. Eu sou meio filósofo”. E foi embora, seguindo seu caminho com o Itapercanjo número 512 original em suas mãos.