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Há 60 anos, economista serviu de modelo para estátua que fica no centro de Avaré

Em entrevista ao Fora de Pauta, Hadel Aurani, 77, fala sobre experiência inusitada capitaneada pelo escultor Fausto Mazzola; monumento “O Desbravador” homenageia pioneiros

Flávio Mantovani

Hadel Aurani não teve alternativa senão se concentrar na tarefa. Depois de uma série de exercícios para realçar os músculos, ele se dirigiu para o local indicado e encostou o machado no chão, apoiando ambas as mãos sobre o cabo. Seguindo a orientação, ficou ali imóvel por um tempo, mirando um ponto fictício no horizonte.

Os auxiliares olharam com entusiasmo para o escultor Fausto Mazzola (1918-2004). Mais uma vez, o palpite do mestre estava certo. O porte imponente do jovem de 17 anos parecia perfeito para servir de base ao mais novo projeto do artista: uma estátua que homenagearia os pioneiros de Avaré. Encomendada pelo então prefeito Paulo Araújo Novaes, a escultura faria parte da comemoração do primeiro centenário da cidade.

Mas não pense que foi fácil para o modelo. Era o final dos anos 50. O vestuário masculino estava praticamente restrito a chapéu, camisa de manga comprida, calça de linho, lenço e canivete. Se ir de camiseta para a escola nos dias de ginástica já era um constrangimento, imagina ficar só de calça jeans e botas enquanto seu corpo era minuciosamente esquadrinhado por Mazzola e seus assistentes.

Praticar fisiculturismo também era algo bem distante da realidade naqueles anos. Não por acaso, o jovem Hadel costumava chamar a atenção quando passava pelas ruas.

Obra do acaso

Embora a relação com o corpo tivesse começado com o judô (ele chegou a ganhar campeonatos estaduais), outros fatores foram determinantes para o destino do esportista. Um dia, sabe-se lá como, uma revista que trazia uma imagem do fisiculturista Charles Atlas chegou até as mãos de Hadel. Aquele tipo de esporte, que exigir um rigor metodológico, o impressionou profundamente.

O comerciante Antônio Murakoshi, que pertencia à comunidade japonesa com a qual Aurani tinha bastante afinidade, também teve papel decisivo. Certa vez, ele conduziu o adolescente até um dos cômodos do imóvel onde ficava sua máquina de beneficiar arroz. Queria mostrar ao amigo algo que havia adquirido: uma barra de halteres com um manual de instrução. 

Aurani começou a treinar incansavelmente. Em pouco tempo havia também uma barra fixa no quintal de Murakoshi.

Alto, lutador de judô e agora adepto da musculação, Hadel deixava qualquer oponente no chinelo quando o assunto era porte físico.  

O convite

Natural de Chavantes, Aurani se mudou com a família para Avaré no início dos anos 50, cidade onde criou laços de amizade e da qual não se afastou emocionalmente nem mesmo durante o período em que viveu na capital.

“A cidade está no meu coração. Passei 14 anos em São Paulo e sempre dizia que era de Avaré quando perguntavam sobre minha origem”, conta ao Fora de Pauta.

Entre os amigos de escola estava Gustavo Mazzola, filho do escultor. Numa ocasião, ele chegou com um papo estranho. “Meu pai vai criar uma estátua para homenagear os fundadores e surgiu uma conversa a seu respeito. Você não gostaria de posar?”, perguntou.

“No início foi um susto”, conta o economista. Gustavo então o acompanhou até o ateliê montado na antiga estação da Estrada de Ferro Sorocabana. “Fiquei impressionado. Mazzola me tratou de maneira tão atenciosa que eu comecei a ficar mais tranquilo”, relata.

Uma foto foi tirada na primeira sessão. O economista foi novamente convocado quando a armação de ferro já estava pronta. A partir de então, ele foi orientado a permanecer na posição para que o escultor fizesse a modelagem da estátua.  

O monumento

Inaugurado em 1958, há exatos 60 anos, na Praça Romeu Bretas (Concha Acústica), região central de Avaré, “O Desbravador” é símbolo da redefinição do espaço público comandada por Fausto Mazzola nos anos 50 e 60. O artista também foi responsável por outros monumentos, entre eles o “Relógio de Sol” e a “Fonte das Artes”.

Hoje, aos 77 anos, Hadel relembra a passagem com emoção. Mas diz ter levado um tempo para digerir seu significado.

“Demorei para cruzar comigo mesmo na praça. Havia sempre um forte sentimento de não compreender essa situação tão especial. Foi um presente e uma responsabilidade diferenciada”, relatou no livro “Avaré em Memória Viva”, de autoria do pesquisador Gesiel Júnior.

Dono de uma vitalidade invejável, Aurani ainda faz ginástica e frequenta academia. Em 2001, aos 59 anos, percorreu os 800 quilômetros do Caminho de Santiago de Compostela, entre a França e a Espanha.

Mas é como se ele – de certa forma – jamais tivesse saído do centro nessas últimas seis décadas. Curiosamente, o homem que diz levar Avaré no peito ficará pra sempre imortalizado no coração da cidade.

 

Hadel Aurani revisita monumento “O Desbravador”; no detalhe acima, a assinatura de Fausto Mazzola

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