Aeronáutica homenageia herói da 1ª Guerra cuja herdeira vive em Avaré
Paulistano Gordon Fox Rule, que lutou na força aérea britânica, acaba de ganhar biografia; professora de alemão radicada no município, Susan conta como a trajetória do pai foi descoberta em seu país de origem 30 anos após sua morte
FLÁVIO MANTOVANI
Era verão e o céu da França parecia mesmo fadado a arder. Naquele 10 de junho de 1918, o piloto brasileiro Gordon Fox Rule, que lutava pela Royal Air Force (RAF), a força aérea inglesa, enfrentava cinco caças alemães. Dada a desproporcionalidade entre os lados, a operação parecia mais uma tentativa de suicídio. Pesavam ainda contra Rule a conhecida capacidade de estratégia alemã.
Mas o que sugeria uma vitória fácil logo se converteu numa surpresa amarga para os germânicos. Aproveitando cada oportunidade, Fox foi impondo derrotas ao inimigo. Em pouco tempo, dois caças haviam sucumbido. Antes mesmo que seu artilheiro atingisse os invasores, os alemães eram alvejados por um componente que foi determinante para o desfecho daquela história: o espírito de enfrentamento do piloto brasileiro.
Com a sacola cheia de invertidas, os adversários que sobraram para contar a história anunciaram a retirada. Segundo consta, o líder da formação alemã bateu continência, homenageando a bravura de Gordon, antes de se afastar.
Filho de pais ingleses, o paulistano Gordon Fox Rule estudava em Londres quando a 1ª Guerra Mundial (1914-1918) eclodiu. Como tinha dupla cidadania, ele decidiu se alistar na RAF, onde descobriu o talento para pilotar e vivenciou uma rápida ascensão na carreira militar. Aos 18 anos, já era capitão.
A atuação do brasileiro durante o conflito garantiu a ele duas distinções mundialmente reconhecidas: a francesa Croix de Guerre e a inglesa Distinguished Flying Cross.
O reconhecimento no Brasil
Trinta anos após sua morte, ele começa a ser descoberto em seu próprio país. Em outubro do ano passado, Rule foi homenageado postumamente com a Ordem do Mérito Aeronáutico, honraria concedida pelo Ministério da Defesa, órgão ao qual a Aeronáutica está subordinada.
O mais curioso é que o Brasil teve apenas uma pequena participação na 1ª Guerra Mundial, a qual se restringiu praticamente ao envio de medicamentos e ao fornecimento de equipes médicas aos aliados da Tríplice Entente, formada por Reino Unido, França e Rússia. A Força Aérea Brasileira, por exemplo, só seria criada em 1941.
Na solenidade promovida em São Paulo, o combatente foi representado pela filha Susan Fox Rule, professora de alemão radicada em Avaré que tomou para si a missão de preservar o legado do aviador.
Uma descoberta que mudou tudo
Ela conta que a história começou a sair do círculo familiar há cerca de quatro anos, após a visita do escritor Adriano Silva Baumgartner. Aviador civil, ele fazia pesquisas para um livro sobre pilotos brasileiros.
“Fiquei com quase tudo que foi do meu pai, incluindo farda e outros artigos. Foi então que acabei descobrindo o logbook, caderno no qual o piloto anota todas as informações relacionadas aos voos. Toda a história militar dele estava ali”, revela Susan ao Fora de Pauta.
Como o material permitia a reconstituição minuciosa de batalhas, além de trazer outros dados de interesse histórico, Baumgartner passou a se dedicar à biografia de Gordon.
Concluído o trabalho, o desafio seguinte foi buscar patrocínio para publicar a obra. Susan e o escritor então apresentaram o manuscrito ao Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica (Incaer), que prontamente deu sinal positivo.
“Eles ficaram impressionados com a história. Embora ele não fosse da Força Aérea Brasileira, se tratava de um brasileiro que tinha lutado nos ares lá fora”, lembra a filha.
Intitulada “Gordon Fox Rule: O Maior Ás Brasileiro da Guerra de 1914-1918”, a edição de colecionador, que inclui capa dura e centenas de fotos, foi lançada oficialmente na cerimônia promovida em outubro pela Aeronáutica.
O prefácio, assinado pela Associação Brasileira de Pilotos de Caça (Abra-Pc), não deixa dúvidas quanto à importância do homenageado. “A Força Aérea Brasileira e a Abra-Pc não conheciam a sua história e esperamos não ser tarde para prestarmos as merecidas homenagens e honrarias a esse distinto herói brasileiro, torná-lo conhecido e honrado de hoje e para sempre por todos os aviadores brasileiros”, ressalta o texto.
A filha não esconde o orgulho. “Depois do nascimento dos meus filhos e netos, foi a maior emoção da minha vida”, continua Susan.
A volta ao Brasil
A guerra terminou e Gordon permaneceu por mais dez anos na Inglaterra. Ao regressar ao Brasil, ele se casou com uma alemã e começou a trabalhar numa empresa que atuou no desenvolvimento do norte do Paraná. Morreu em 1987, aos 89 anos, em São Paulo.
Há 12 anos, Susan se mudou de vez para a casa que mantinha em Avaré. A residência, aliás, reúne a maior parte da coleção do pai. É ali que a aposentada se dedica a traduzir o livro de memórias escrito por Gordon.
“O nome é “Impressões da Guerra” e narra a visão do piloto sobre confrontos, pousos forçados e até negligência por parte de superiores da Royal Air Force”, diz, sem dar mais detalhes. A ideia é trazer o material a público ainda este ano.
Cem anos após o fim do conflito que poderia ter tirado a vida do pai, hoje é a herdeira quem está em guerra. Graças a seu empenho, o aviador parece ter vencido seu mais duro inimigo: o esquecimento.
Detalhe da biografia que reconstitui a história do piloto Gordon Fox Rule
Como podemos adquirir esse livro de memórias?
Interessante, por diversas ocorrências, e uma delas de impressionar, guerrear contra os Alemães e dez anos após casar-se com uma, -é admirável.
Todo casamento é uma guerra. O herói era constante, continuou a fazer guerra contra a Alemanha.
Que linda história! Obrigada, Flávio, por nos brindar com esta matéria maravilhosa!!!! Parabéns!