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A noite em que a lua clareou sob a jaqueira

“De minha parte, penso que desde o fim da década de 1990 e do início dos anos 2000 que eu não sentia tamanha efervescência na terrinha”

*FELIPPE ANÍBAL

ESPECIAL PARA O FORA DE PAUTA

Quando cheguei, ele já estava ali no palco improvisado sob a jaqueira, ponteando “Bandolins”, à guisa de passar o som. Parecia transitar entre a ansiedade e o nervosismo. Pudera. Havia quantos anos que Mael Maranho não pisava um palco? Uns cinco anos? Por aí, acho. Vá saber. Quando a apresentação começou pra valer, era como se aquela voz de timbre forte e com um quê de choroso sempre tivesse ecoado por aqueles cantos. Era noite de lua cheia (que brilhava solene lá pros lados do cruzeiro, do outro lado do Panema). E, de repente, foi como se o Clara Lua (o lendário bar do passado) tivesse se materializado ali no coletivo aHorta (o presente do presente).

De quando em quando, entre uma música e outra, o “Maé” exclamava um “Ê, que legal!”, cheio de verdade e entusiasmo, diante de um público que se ajeitou num semicírculo que abraçava o palco. No outro microfone, o Viggu entabulava aquela tabelinha, ora segurando na segunda voz, ora emendando duetos enraizados ali na terrinha. O Nelsinho Meira sorria, fazendo crer que tocar bateria é a coisa mais fácil do mundo. Assim se foi passeando por Belchior, Zé Ramalho, Fagner, Clube da Esquina, Gilberto Gil, Djavan, Paulinho Pedra Azul, Sá e Guarabyra, Tavito, Renato Teixeira e por veredas similares.

Desde o começo, tudo parecia fazer sentido, feito o Panema que corre ali perto, descendo pela Garganta do Diabo. Do abraço receptivo da Claudinha Meira à simpatia de menino do Bruno PT, era tanta gente boa se trombando, que me senti novamente aquele adolescente que mentia a idade, pra conseguir entrar no velho Clara e que contava as moedas pra tomar umas lá dentro. Talvez levados por essa atmosfera, os músicos tenham esticado a apresentação para além de incríveis quatro horas (com apenas um intervalinho). Era como se brincassem.

Quando Mael desfiou “Piraju, o tal do peixe amarelo”, todo mundo cantou junto. Assim que se ouviram os primeiros acordes de “Canções de Casa (Eu Carpi o Meu Quintar)”, o Kleber Godoy se achegou a um dos microfones e deu aquela força no vocal, com o mesmo vigor com que defendeu a música em uma edição da Fampop. A essa altura, o Eristhal já havia se juntado aos músicos e debulhava a guitarra, com o Giovanni Fofis ali no baixo. Entre os que se revezavam na percussão, se via os incansáveis Fernandinho Franco e o Carlão Godoy. Dentre as que integram o cancioneiro do “Maé”, inda teve “Golinho de terra”, “Zeca Bastião” e “Piá”, possivelmente entre outras que meu estado alcoólico não permitiu recordações futuras.

Tive a impressão de que todo mundo estava meio que em êxtase. A Claudinha me disse que era recorde de público da aHorta. De minha parte, penso que desde o fim da década de 1990 e do início dos anos 2000 que eu não sentia tamanha efervescência na terrinha. É como se, num estalo, se percebesse que Vinícius tinha razão: “a vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida”. Em uma prosa no dia seguinte, o Viggu compartilhou da mesma impressão.

Antes de o show começar, minha sobrinha Julia, de seis anos de idade e que mantém declarada loucura pelo Viggu, o viu chegar e foi ter com ele. O mestre desatou a falar sobre a jaqueira, que abençoa o palco. Explicou que até a eclosão da aHorta, a árvore não dava frutos. As jacas só desandaram a nascer depois que a trupe de idealistas pôs em prática o ponto de cultura e sustentabilidade que trouxe fôlego novo a Piraju. “É que jaca só nasce quando tem gente em volta”, explicou Viggu. Se é verdade ou conversa de músico, não sei. Mas achei a metáfora bonita. Que assim seja.

*Pirajuense, é jornalista.

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